Especialista que estará novamente em Petrolina este mês diz que preconceito linguístico no país “ainda é forte”

por Carlos Britto // 10 de outubro de 2016 às 21:37

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Autor de quase 30 títulos – entre eles o livro “Preconceito linguístico: o que é, como se faz” (Editora Loyola, 1999, 52ª edição), Marcos Bagno retorna a Petrolina para abordar o “português brasileiro”. Em palestra e noite de autógrafos no auditório do Centro Cultural Dom Bosco, marcada para o próximo dia 27 de outubro, em evento da CRIATur (facebook.com/criaturismo), o também professor e colunista abordará a relação entre o ensino da língua portuguesa e a identidade do brasileiro.

Bagno falou com exclusividade para o Blog de Carlos Britto. Veja entrevista:

Recentemente um médico foi afastado do SUS após debochar da linguagem de paciente na web. Qual seu ponto de vista a respeito desse caso?

O caso desse jovem médico é bastante ilustrativo da cultura linguística brasileira, marcada, como tudo mais, por uma profunda desigualdade social. As pessoas das camadas sociais privilegiadas – brancas, urbanas, letradas e com acesso à renda e ao consumo – se julgam, “naturalmente”, superiores às demais, que formam a ampla maioria da população. Essa superioridade autoatribuída pelas classes privilegiadas lhes dá a liberdade de menosprezar, ridicularizar, oprimir as demais camadas sociais. Assim como essas classes privilegiadas se acham no direito de exercer outras formas de discriminação (o racismo, o machismo, a homofobia, a intolerância religiosa etc.), elas também praticam a discriminação pela linguagem: qualquer uso da língua que não corresponda ao que elas acham que deveria ser o “correto” é menosprezado, ridicularizado. O episódio serviu como prova claríssima de que o preconceito linguístico existe e é muito forte na sociedade brasileira.

Na sua opinião, como se caracteriza essa relação entre língua e poder na sociedade brasileira?

A relação entre língua e poder na sociedade brasileira se assemelha àquela que existe em muitas outras sociedades. Em todas as sociedades fortemente hierarquizadas, é frequente que a língua (ou as línguas) seja usada como instrumento de demarcação social, uma espécie de “arame farpado” simbólico empregado para separar os grupos sociais. Nas sociedades multilíngues (que são a maioria no mundo), uma única língua, por razões históricas, acaba sendo eleita como a língua “boa”, a “certa”, a oficial, aquela que vai ser ensinada nas escolas, usada pelos órgãos do poder etc. No caso do Brasil, o português – como língua majoritária num país onde são faladas mais de 180 línguas diferentes – exerce essa função de marcador social. Embora seja uma língua falada por mais de 200 milhões de pessoas num território imenso, maior que o da União Europeia, não são todas as variedades de português brasileiro que gozam do mesmo prestígio social. Somente as formas de falar mais próximas dos grupos sociais privilegiados é que gozam desse prestígio: variedades do Sudeste e do Sul, das zonas urbanas, das pessoas de classe média e alta, brancas, com acesso à educação formal etc. Esses critérios de seleção vão reduzindo cada vez mais o número dos que falam “bem” e lançando numa ampla lata de lixo linguística todo o resto da população.

Por que “brasileiro”, e não “português”?

Não se trata nem de “brasileiro” nem de “português”, mas de “português brasileiro”. Os estudiosos da língua têm usado cada vez mais, e já há algum tempo, o rótulo “português brasileiro” para definir a língua majoritária da nossa população. Passados 500 anos desde a invasão portuguesa, a língua europeia trazida para cá sofreu mudanças, como é absolutamente natural que aconteça com toda e qualquer língua humana. O português também passou por transformações do outro lado do Atlântico. É uma ilusão sem fundamento acreditar que os portugueses de hoje falam como se falava em 1500. Não existe língua “pura” nem língua que não se transforme com o tempo. As mudanças ocorridas no português brasileiro são muitas e profundas, especialmente no plano da gramática. As pessoas sem formação específica acham que as diferenças se resumem ao “sotaque” e ao vocabulário, mas isso é uma espécie de “folclore” linguístico, sem maiores consequências. O que faz uma língua ser o que é são as regras de funcionamento de sua gramática, e o português europeu e o português brasileiro apresentam grandes diferenças nesse plano. Por isso, temos feito questão de falar sempre do “português brasileiro”. E desde o início deste novo século, muitas obras importantes têm sido publicadas com o objetivo explícito de descrever, com boas bases teóricas, esse nosso português, tão diferente do europeu.

É preciso rever o ensino da língua nativa em nosso país? Por quê?

Faz mais de trinta anos que linguistas e educadores vêm propondo mudanças no ensino de língua no Brasil. Como resultado de um longo passado colonial, a sociedade brasileira ainda guarda muitas concepções e crenças equivocadas a seu próprio respeito e, nesse “pacote” de equívocos, a respeito da língua mais falada por aqui. Não tem mais cabimento continuar ensinando uma língua artificial, anacrônica, obsoleta, que não é falada por ninguém, e que já deixou até mesmo de ser veículo da nossa melhor produção literária. Insistir no ensino do pronome “vós” e de suas marcas verbais, por exemplo, é inútil, além de desonesto, já que não corresponde a nenhum uso real da língua. Nós já temos todas as condições de promover um ensino de língua realista, com base no que é realmente a língua culta brasileira. Infelizmente, as forças conservadoras, essas mesmas que estão agora nos mais altos postos do comando da nação, também exercem sua pesada influência sobre as concepções de língua e de ensino.

Especialista que estará novamente em Petrolina este mês diz que preconceito linguístico no país “ainda é forte”

  1. Filósofo disse:

    Felizmente vi alguém dizer “INVASÃO PORTUGUESA” em vez de descobrimento!

  2. Guilherme disse:

    Idiota; Relativização da língua portuguesa significa destruição da esma; Ah comunistas infames….

    1. Dom Sebastião disse:

      Você é que é um idiota! Ele não relativizou nada, apenas expõe o que realmente aconteceu e acontece com nossa língua. Há muito tempo que os portugueses e brasileiros falam idiomas diferentes e isso não se dá apenas na diferença de vocabulário ou na pronúncia Duvido que vossa Idioticência (sic!) fale conforme as regras ensinadas na Gramática Normativa.

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Últimos Comentários

  1. Tem que desapropriar o imóvel onde ficava a casa da criança, atrás do regente, para fazer um terminal de ônibus.

  2. Deu lugar ao mercado turístico? Por que deram esse nome? Bom, acho que já mudou, mas era melhor ser chamado…