Dom Hélder redivivo

por Carlos Britto // 15 de fevereiro de 2009 às 17:00

Neste início de fevereiro, dom Hélder Câmara teria feito cem anos, se não nos houvesse deixado no final de agosto de 1999. O centenário do seu nascimento coincide, agora, com a crise do capitalismo financeiro nos Estados Unidos e na Europa, e que chega ao setor industrial, aprofundando a brecha entre ricos e pobres. Ou entre os que mandam e os outros. Nada de novo! Nosso dom Hélder já previra isso. Em 1974, ao falar no Fórum Econômico Mundial, em Davos, alertou: “Não esqueçamos que, se a miséria e a injustiça são ainda mais insuportáveis no Terceiro Mundo, as raízes profundas do mal estão no coração, nos interesses e nas práticas dos que mandam nos países ricos, com a cumplicidade dos ricos dos países pobres”. Sem temor, num tempo em que a ditadura militar o perseguia e calava no Brasil, deixou uma indagação às centenas de chefes de governo, economistas e grandes empresários reunidos na meca do capitalismo: “Independentemente de se, ao analisar a sociedade, Marx tinha ou não razão, o problema que ele levantou continua atual – por que tanta riqueza gera tanta pobreza e miséria?”.
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A profecia sobrevive sempre ao profeta. É exatamente isto que o define e distingue do charlatão e do embusteiro, para os quais a palavra é apenas um som oco que se desfaz e não permanece. Dom Hélder é o nosso profeta. Nele, palavra e ação conjugaram-se sempre em defesa da justiça e da solidariedade. Ou no sonho da utopia, como ele sublinhava: “Não tenhamos medo da utopia, nunca. Repito sempre que quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha entre muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da História”.
Por que a ditadura civil-militar instaurada em 1964 tentou calar a voz desse bispo católico, baixinho e humilde, que não deixava que beijassem seu anel nem que o chamassem de “dom”, que pregava resistir, mas resistir sem violência? – Quando dou de comer aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista! -, explicava ele próprio. E ia adiante: “Se a política é fazer que os direitos humanos fundamentais sejam reconhecidos por todos, essa política não é só um direito, mas um dever para a Igreja”.
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Nos anos ditatoriais no Brasil, ele percorreu quase o mundo inteiro, recebeu o título de Doutor honoris causa em 32 universidades no Japão, Europa e América do Norte, discursou e debateu com sábios, cientistas e operários. Falava no estrangeiro porque sua voz fora proibida no Brasil. Três vezes foi candidato ao Prêmio Nobel da Paz e, em todas, o governo ditatorial brasileiro, com a habilidade típica da trapaça e do embuste, conseguiu impedir sua escolha. O recente livro O Profeta da Paz, dos pesquisadores Nelson Piletti e Walter Praxedes, mostra as manobras sorrateiras do governo Médici junto a empresas norueguesas com interesses no Brasil, além da imprensa e de políticos da Noruega. O Itamaraty foi cúmplice direto e obediente do ditador. Em ofício de 29 de outubro de 1970, o embaixador do Brasil em Oslo, J. de Souza Gomes, relatou ter obtido apoio de empresas norueguesas para pressionar o comitê do Nobel da Paz: “Nessas condições, acredito que, cercada do maior cuidado e sigilo, esta embaixada, embora sem efetuar qualquer gestão oficial, pôde contribuir para o afastamento, pelo menos este ano, da candidatura de dom Hélder ao Nobel da Paz”.
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Sacerdotes, freiras e fiéis ligados a ele foram considerados “subversivos de esquerda” e mortos, torturados ou presos no Nordeste. Frente ao ódio, pregava a não-violência, frisando: “A não-violência não é escolher a fraqueza e a passividade. É crer na força da verdade, da justiça e do amor e não na força da guerra, das armas e do ódio”. E sentenciava: “A única guerra legítima é a que se faz contra o subdesenvolvimento e a miséria”.
Por: Fávio Tavares

Dom Hélder redivivo

  1. Carlos Estefanio disse:

    Não seria Revivido?

  2. Ivan Câmara de Andrade disse:

    “Se dou de comer aos pobres, chamam-me santo. Se respondo porque os pobres passam fome, chamam-me comunista” – Dom Helder Cãmara.

  3. Pe. Antonio disse:

    Parabéns ao blog por dedicar esse espaço para falar de um homem de Deus, um profeta, um irmão dos pobrese…….. Infelizmente, no tempo da ditadura militar Dom Helder se tornou mais ouvido no exterior do que no Brasil, pois as forças da insensatrez quiseram mpor o silencio ao nosso querido Dom Helder. Ele dizia com sabedoria e lucidez realista: o Capitalismo é um sistema intrinsecamente mau….. Sonhava com o ano 2000 sem forme. Chegamos ao terceiro milênio com milhões de homens e mulheres passando fome, atravessando mais uma crise do sistema capitalista onde os trabalhadores e pobres são as maiores vitmas.

  4. Pe. Antonio disse:

    Partilhando com os leitores do blog artigo que recebei:
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    Dom Demétrio: Dom Helder é exemplo para Igreja, mas não é fácil segui-lo
    Dom Demétrio Valentini*

    Às vésperas de completar 100 anos de seu nascimento, Dom Helder Camara continua sendo lembrado e considerado um dos maiores religiosos e lutadores pela paz no Brasil e no mundo. Nascido no dia 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, Dom Helder foi bispo e arcebispo auxiliar do Rio de Janeiro e arcebispo emérito de Recife e Olinda.

    Além da atuação religiosa, ficou conhecido pelos trabalhos realizados no campo social e político. O “Profeta do século XX”, como também era denominado, fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e inspirou a fundação do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e da Cáritas Brasil.

    Segundo Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales (São Paulo), o arcebispo conseguiu formar uma Igreja mais participativa, comprometida com questões sociais e que incentivasse a participação de leigos: “o símbolo maior da atuação de Dom Helder foi a fundação da CNBB”, considera. O bispo acrescenta também que, devido às obras realizadas, Dom Helder se tornou inspiração para as ações da Igreja Católica no Brasil e na América Latina.

    Dom Helder ficou conhecido no Brasil e no mundo pelas ações nos direitos humanos. No período da ditadura militar brasileira, por exemplo, pregava a não violência e denunciava a tortura e a miséria, o que resultou em algumas tentativas de censura. Mesmo assim o Dom não se rendeu e continuou pregando a paz dentro e fora do País.

    Dom Helder também é lembrado pelos trabalhos com as pessoas socialmente excluídas. Para ele, a Igreja deveria ser pobre e servidora. De acordo com Dom Demétrio, o arcebispo é um modelo que até hoje a Igreja tenta acompanhar, mas confessa que não é uma tarefa muito simples: “Ele é o exemplo para a Igreja seguir o caminho, mas não é fácil seguir Dom Helder”, comenta.

    A partir da linha de Igreja pobre e servidora, Dom Helder ganhou reconhecimento pelos trabalhos realizados no campo social, como a fundação da Cruzada de São Sebastião, no Rio de Janeiro, na qual construiu, em um espaço cedido pela Prefeitura da cidade, uma Igreja, uma escola e um complexo habitacional para os moradores pobres do bairro do Leblon. Além da Cruzada, o Dom fundou ainda o Banco da Providência, para ajudar as famílias pobres, e a Operação Esperança, que ajudava os flagelados das enchentes de Recife e incentivava o surgimento de lideranças populares.

    Diante de tantas realizações, Dom Demétrio considera difícil, mas acredita que ainda há esperança na recuperação do legado do Dom. Para o bispo, este ano, em que Dom Helder completa 100 anos, é o momento de reconhecer a grandeza dele: “Queremos invocar Dom Helder como padroeiro da Igreja Católica no Brasil e na América Latina”, espera.

    O arcebispo faleceu no dia 27 de agosto de 1999, aos 90 anos. Para o Brasil e para o mundo, Dom Helder deixou ainda mensagens de paz e solidariedade escritas em 23 livros e em 7.547 meditações.

    As matérias do projeto “Ações pela Vida” são produzidas com o apoio do Fundo Nacional de Solidariedade da CF 2008.

    * Bispo de Jales

  5. Pe. Antonio disse:

    Vejam o uma Cronica sobre a Celebração do Centenário de Dom Helder:
    Meninos, eu não ouvi!

    Reginaldo Veloso – Recife, 08.02.09

    Foi muito bom, foi uma graça, ter tido Dom Geraldo Lírio, Presidente da CNBB, na presidência da celebração de ação de graças pelo Centenário de Nascimento de Dom Helder Câmara, muito embora tenha sentido a ausência de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom José Maria Pires, Dom Thomás Balduíno, de Dom Valdir Calheiros, de Dom Clemente Isnard, de Dom Pedro Casaldáliga, Dom Orlando Dotti, de Dom Angélico Sândalo, de Dom Moacyr Greick, de Dom Erwin Kräutler, de Dom Afonso Gregori, de Dom Manoel João Francisco, de Dom Franco Masserdotti, de remanescentes da mais significativa e honrosa plêiade de pastores que esse país já conheceu, mandados por Deus, em boa hora, para resgatar a essência do Evangelho, o compromisso com o excluído, no seio de uma Igreja, que tem passado séculos tentando alargar o buraco da agulha e emagrecer o camelo. Certamente, estes evangélicos pastores não foram representados por Dom José Cardoso Sobrinho, Sua Excelência o Indesejado, cuja presença foi a nota mais destoante deste inesquecível evento.

    Foi muito bom o devoto Senador Marco Maciel ter escutado da boca do Presidente da CNBB o relato bastante detalhado sobre o que significou para a Igreja e, particularmente, para a pessoa e o ministério de Dom Helder, textualmente, “o Golpe militar”, que implantou no país a mais longa e cruel ditadura da sua história, decretou o silêncio, a não existência do Bispo dos Pobres e engendrou o assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto (dia 27.05.69, o seu martírio completará 40 anos! E é bem provável que o Senador saiba quem possa ter sido o responsável).

    Mas teria sido muito bom que a profética homilia de Dom Geraldo, tão explícita sobre a ditadura militar, tivesse sido igualmente explícita com relação à ditadura eclesiástica que fechou o Instituto de Teologia do Recife, o ITER, e o Seminário do Regional Nordeste 2, o SERENE 2. Sua Excelência, o arcebispo merecia ter passado pelo mesmo constrangimento que Sua Eminência, o Senador.

    Pe. José Comblim, Prof. Zildo Rocha, Dom Sebastião Armando, Bispo Anglicano, Pe. Ernane Pinheiro, que estiveram à frente dessas duas importantes criações do gênio pastoral de Dom Helder, e estavam presentes à celebração do seu Centenário… o antropólogo José Maria Tavares, que chegara de Estrasburgo e fora seminarista da primeira leva do SERENE e de estudantes do ITER… os professores Degislando e Artur Peregrino, da UNICAP, que participaram das últimas turmas do ITER e do SERENE… Ir. Visitatio e Ir. Ivone Gerbara, que talvez aí estiveram, mas não cheguei a vê-las… e muitos outros e outras, padres, religiosas e agentes pastorais aí presentes… todos eles e elas mereciam ter ouvido uma palavra que, de certa forma, resgatasse o mérito de um Seminário e de um Instituto de Teologia, criados para formar presbíteros e animadores pastorais, capazes de se inserirem no meio do povo da periferia, como pobres no meio dos pobres, a fim de caminhar com eles para um mundo de dignidade, de justiça, onde todos pudessem “ter vida e vida em plenitude”, sonho de Dom Helder e, muito antes dele, do Mestre dos Mestres, JESUS.

    Dom Geraldo, o senhor terá tido seus motivos ou conveniências, facilmente compreensíveis e identificáveis nos meios clericais, mas ficou devendo a nós esta profecia, porque, no seio da própria Igreja, “eu tive fome e sede de justiça e não me destes de comer, nem me destes de beber; estive nu e desabrigado, doente, perseguido, preso, e não vos solidarizastes comigo”. Mas não seja por isso. O senhor ainda tem muito chão e muito tempo pela frente. Deus o abençoe em seu ministério episcopal, à frente da CNBB.

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