Artigo do leitor: “Não adianta apontar os fatos, é necessário prová-los”

por Carlos Britto // 13 de janeiro de 2022 às 07:45

Foto: Reprodução

Neste artigo, o perito criminal da Polícia Científica de Pernambuco, Ivan Câmara de Andrade, comenta o desfecho do Caso Beatriz, destacando o importante papel desses profissionais durante toda a condução do caso. Ele também destaca que o trabalho foi feito de forma minuciosa e critica os “desinformados”, que não têm formação técnica para avaliar a função dos peritos, e chegaram a colocar dúvidas sobre a conclusão oficial do crime.

Confiram:

Nós, os denominados “peritos”, somos isso: “A Ciência a serviço da Justiça”. Nada mais. A Ciência, no entanto, como qualquer outro conhecimento alcançado pelo homem, em sua eterna evolução civilizatória, tem data de validade, pois todo saber é datado. A ciência, portanto, é renovada e atualizada a cada descoberta. Destarte, desde as descobertas dos primórdios da humanidade, evoluímos. É dizer: “Sem perícia o locus do crime permanece mudo.” 

Nesse diapasão, merecem os meus parabéns todos os envolvidos na completude dos procedimentos periciais, desde a perícia no local do horrendo delito, cujos profissionais que tão bem souberam coletar as provas, em silêncio, perpassando pela preservação e custódia destas provas (sob a denominada cadeia de custódia)  até os seus procedimentos protocolares junto ao IGFEC (Instituto de Genética Forense Eduardo Campos) em Recife, que nada mais é do que um gigantesco banco de dados genéticos à serviço da sociedade pernambucana e brasileira, para, naquele âmbito, levantar o perfil genético do DNA do criminoso.

A condução à Capital pernambucana, do material probatório coletado, foi realizada seguindo todo o procedimento padrão, à luz dos princípios que regem a Administração Pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade (respeitado o sigilo próprio do procedimento), Eficiência e razoabilidade, sendo inclusive, conduzida até ao Recife, por um perito criminal, funcionário do Estado de Pernambuco, para que tudo fosse preservado e jamais contaminado. O tempo – Ele – Senhor de Tudo de e Todos, passou, mas a angústia permanecia incólume, na busca pela verdade possível.

Durante todo o processo investigatório, sob a pressão de cobranças que sempre devem existir, porque trabalhamos em prol da mesma sociedade da qual fazemos parte, a Polícia Civil de Pernambuco apresentou 124 (cento e vinte e quatro) suspeitos e a Polícia Científica afirmou, com veemência e certeza, sem medo de errar, sem titubear, que absolutamente todos os 124 cidadãos investigados e suspeitos são inocentes, pois, com base na ciência, os perfis de  DNA de todos esses suspeitos, eram incompatíveis com o material padrão coletado no local do crime. Os leigos e principiantes estão, hodiernamente, a entupir as redes sociais com opiniões “populares” as mais diversas possíveis, acerca da elucidação deste horrendo delito que atingiu uma indefesa infante. Ao ponto, inclusive, de duvidarem do ofício pericial.

Tais desinformados (e não são poucos), sem formação técnica alguma para entender a causa das coisas, são atraídos pela curiosidade e alcançam as mais diversas, absurdas e hilárias deduções. Ora, a literatura, os folhetins e as “redes” estão abarrotadas de fontes, as mais diversas, mas é que há muitas possibilidades na mente de um principiante.

O filósofo italiano Umberto Eco já dizia: “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, mas hoje têm o mesmo espaço de Prêmios Nobel. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. A TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar no qual ele se sentia superior. O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Ela, a verdade, muitas vezes, se apresenta oriunda do trabalho pericial, daquela que não diz o que quer, mas tem que provar o que diz, por dever de ofício. O jurista brasileiro Salah Hassan Khaled Jr., na paradigmática obra “A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial – São Paulo, Atlas, 2013, p. 589, assevera: “A partir do investimento inicial de sentido que propusemos, encaminhamos a noção de rastros da passeidade, entendidos como conectores cognitivos que permitem em alguma medida um conhecimento pertinente, ainda que insuficiente sobre o passado (…) Os rastros caracterizam uma espécie de referência indireta e conformam os limites e as condições de possibilidades de conhecimento sobre o evento que pertence a um tempo escoado, exprimindo simultaneamente presença e ausência.

No rastro está contido o enigma, o paradoxo da passeidade: o passado já se foi e nada pode fazer com que ele retorne ou deixe de ter sido; mas, por outro lado, de certa forma o passado ainda é, caso esteja conservado na forma de rastros que a ele remetem e que permitam construir relações de significância substitutiva, de lugar-tenência”. A outros rastros o exame de comparação de materiais genéticos, deve somar-se na busca pela verdade no caso paradigmático ora em cotejo. Parabéns aos que diuturnamente fazem a Polícia Científica do Estado de Pernambuco, instituição da qual tenho imenso orgulho de pertencer.

Ivan Câmara de Andrade/Engenheiro Químico graduado pela UFPE, Perito Criminal da Policia Científica de Pernambuco e ex-gestor da Unidade Regional de Polícia Científica do Sertão do São Francisco (URPOCSSF)

Artigo do leitor: “Não adianta apontar os fatos, é necessário prová-los”

  1. JAKSON ANTONIO DA CRUZ disse:

    Perfeito!!!

  2. EDSON JORGE PACHECO disse:

    Parabéns pelas palavras Ivan!!!
    Falou tudo!!!

  3. Margarida disse:

    Impecável! Conteúdo e forma!

  4. Junior disse:

    Muito bom esse artigo.

  5. Meirere Lucio Pereira disse:

    Nada mais a acrescentar. Perfeito!

  6. Júlio César Soares Lira disse:

    A ciência põe luz sobre a verdade, mas não tira das trevas os incautos. Parabéns, Ivan Câmera, pela análise isenta e esclarecedora.

  7. opinião disse:

    Acredito que ninguém está duvidando da ciência. Mas da forma como foi feita. Ou seja, no mínimo estranho, fizeram em 15 dias o que não fizeram em quase sete anos. Deixar tecido epitelial em uma superfície lisa (cabo da faca). Com o passar do tempo a tendência é o desaparecimento dos vestígios. Por isso a necessidade de se isolar o local do crime e que a chegada da Polícia seja o mais breve possível para que sejam recolhidos os vestígios para não desapareçam pela ação de pessoas, animais ou tempo (intempéries).

  8. Ronis Araújo disse:

    Cheio de palavras bonitas e filosóficas…

  9. ednilson santos disse:

    parabéns, a ciência mais uma vez colaborando para elucidação de um crime horrendo.

  10. Macario disse:

    O método científico foi e é responsável pela evolução do serr humano. Logo não devemos dúvidar da mesma! Por meio dela, que o homem desenvolvel: máquinas, … e o aparelho que estais usando ler est a textos.

  11. Marcos Nogueira disse:

    Podemos falar de ciência sem a necessidade de linguagem excessivamente rebuscada ou mesmo técnica, pois, quando expomos uma opinião em um meio de comunicação de amplo acesso ao público como este blog, entendo que o objetivo é informar e esclarecer o que não se consegue fazendo uso desse tipo textual. Mas como explícito no texto, o autor não possui respeito algum pela população pernambucana e até brasileira quando afirma que somos “imbecis e idiotas desinformados”, logo, não tem Interesse algum em esclarecer, apenas de vomitar sua oratória a título de: calense seus ignorantes desprovidos do mínimo de discernimento e compreensão, pois, eu sou perito e represento a ciência e vcs, quem são? Ora, nós somos os pagadores de impostos e sustentamos essa elite da alta cúpula de servidores públicos que por se considerarem semi deuses acreditam que não precisam precisam nos esclarecer, não precisam esclarecer Lucinha. Mas saibam que os gritos continuaram a ecoar em todo lugar e os sucessivos erros na investigação serão expostos, e vós, os doutores do saber científico, serão responsabilizados dentro do que lhes couber.
    PS: Sendo doutos de tamanho saber, pq foram necessários 6 anos para se chegar a conclusão do fato que só ocorreu após a pressão feita por Lucinha Mota ao governador? Fica a questão a ser esclarecida no devido tempo.

  12. João Castro disse:

    Ivan Câmara tem autonomia e conhecimento técnico mais que suficientes para falar acerca da matéria. Esclarecimentos à luz do conhecimento científico prescinde de quaisquer avaliações cujo objetivo seja macular ou desacreditar trabalho sério e competente da Polícia Científica de Pernambuco.

  13. Komiko Sujiro disse:

    O absurdo que acho é uma cidade como Petrolina, com quase 400.000 habitantes, não ter a mínima estrutura de investigação, dependendo de Recife para tudo. Por isso que chamo esse Estado-Federal de Pernambuco de provinciano!

  14. Rita disse:

    Que sabiss palavras!!!! A esse último comentário meus parabéns

  15. REVOLTADO COM TANTA INJUSTIÇA disse:

    Justamente, Marcos Nogueira! Estão arrotando competência e “xiência”. Mas não passam de incompetentes, que deixaram limparem a cena do crime e passaram esse tempo todo para apresentarem um culpado, que sabe-se lá, se não trata-se de um “bode expiatório” para calar a sociedade e a família da inocente!

  16. Junior disse:

    O filósofo italiano Umberto Eco já dizia: “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, mas hoje têm o mesmo espaço de Prêmios Nobel. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. A TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar no qual ele se sentia superior. O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

    Mais uma verdade do seu artigo.

  17. MUNDO INJUSTO disse:

    A ciência nunca foi e nunca será INFALÍVEL. Temos vários exemplos disso. O camarada esrá equivocado.

  18. Otavio disse:

    “O pior imbecil é aquele que pensa que a ingenuidade é um patrimônio alheio”, normalmente esses são técnicos bem formados, bem graduados.

  19. JUSTIÇA SÉRIA SÓ A DE DEUS disse:

    Marcos Nogueira! Coerente seu posicionamento! A ciência é falível e questionável. Exaltaram o trabalho da Polícia Civil e Científica, exacerbadamente. Lógico, com o propósito de não gerar dúvidas quanto a resposta dada. Mas passar cerca de 6 anos para dar uma resposta, e ainda com vários questionamentos não respondidos, achar que isso foi um trabalho digno deaplausos, pelo amor de Deus! Deixaram muito a desejar, e há várias lacunas a serem respondidas sobre o caso, que a família e a sociedade jamais vai aceitar que sejam respo didas com tanta simplicidade e sem lógica!

  20. Árvore disse:

    Engraçado ver os “dotores” (alguns até conhecidos, outros irrelevantes) defendendo o posicionamento do companheiro da classe aqui nos comentários. Escrever texto bonito, tentando defender a atuação porca do Estado nesse caso não adianta nada, ok?
    O mundo real é diferente da masturbação coletiva de egos.

  21. José Florêncio Coelho Filho disse:

    Logo após o crime, se não estou enganado, ouvi entrevista do perito em uma rádio local, afirmando que tinha o DNA do assassino coletado na faca usada para perfurar e matar a criança. O difícil era a checagem, já que todos os suspeitos foram submetidos a isso com resultado negativo. O Brasil não dispõe de banco de dados da totalidade de sua população de forma integrada. É uma lástima.

  22. Carlos Gomes de Moura disse:

    Conheço Ovan Câmara desde os tempos da UFPE e da UPE, nos cursos de engenharia…
    Uma pessoa focada na informação e no conhecimento, preocupado com o seu semelhante…
    Então, Ivan Câmara, como perito criminal, tem todas as prerrogativas de dar as informações sobre este caso, mantendo a sociedade bem informada…
    Parabéns, nobre Ivan Câmara! Avante!

  23. Nonato santos disse:

    Só não consigo entender mediante tanta inteligência dos orgãos público esse vagabundo estava prêso em Salgueiro por tanto tempo e pelas quantidade de cartazes digitados espalhados por todo território nacional só vieram notar o assassino depois qie a família percorreu 700km a pé. Muito estranho.

  24. Verdade disse:

    Tão competentes que levaram esse tempo todo pra “escolher o culpado” ? Se não tivesse pressão dos país jamais teriam dado atenção ao caso, pois se tratava de pessoas comuns e não familia politicamente influentes.

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