Nós vínhamos caminhando tranquilos com destino a nossa casa e o meu pai ia me ensinando a vida. Andava devagar, com passos tímidos, e eu gostava de olhar para os seus cabelos e sua expressão quando falava.
Não tinha muita oportunidade de andar com ele, pois mal saía de casa, e como não tínhamos carro, gostava mais quando íamos a pé. Muitas vezes porque ele não tinha dinheiro mesmo. Outras vezes também.
Era bem complicado, pois ele era apenas um aposentado ferroviário e tinha quatorze filhos e eu, seu neto, outro que a vida lhe pôs nas mãos para chamar e registrar como filho.
Era bem conservador o meu pai, ao ponto de ir à Celpe e Compesa perguntar o que fazer para a conta não chegar à casa e ele ir pagar nas companhias. Abominava a cobrança e a ele cabia a palavra. E valia.
Era severo e sensível o meu pai. Seu olhar era terno e duro quando precisasse. Seu sorriso era generoso e franco. Seu abraço, acolhedor.
Na sua pequena instrução percebeu que precisávamos ser educados. Aos filhos impôs a condição dos seus melhores carinhos aos estudos.
Se a escola particular nunca foi possível, a escola pública que nos recebia merecia nosso melhor cuidado e sua homenagem.
Era exigente também o meu pai José Leite. Meu boletim, e suas notas invariavelmente medíocres, lhe entristecia muitas vezes, como a minha paixão que se revelava muito mais pela bola que pelas bancas escolares.
Lembro do seu desapontamento quando fui atropelado aos sete anos e um motorista mais desesperado que irresponsável fugiu sem assumir as consequências.
Assustei-me tempos depois quando me contaram que “cassou” o motorista que deixou seu filho jogado no asfalto, como quem deixa um cachorro de revólver na cintura.
Depois me encantei quando soube que se emocionou com esse mesmo motorista quando constatou que ele correu apenas por medo, por que pegara o carro da empresa emprestado, porque perderia o emprego e não teria como alimentar sua já combalida família.
Quando decidi pela vida na comunicação e recebi as críticas pela falta de remuneração do longo estágio, quando em nossa casa toda ajuda era necessária, com seu gesto sereno apenas balbuciou: “Deixem, ele vai ser o que desejar ser”.
Meu pai me amou e me salvou de várias maneiras. De todas que possam ser possíveis.
Em seu nome hoje quero homenagear todos os pais. As mães que são pais e mães.
Aos pais que hoje, mesmo sozinhos, passam o seu domingo dizendo que não faz mal, mas que sofrem com a distância, com o descaso e com o abandono imposto pelas várias situações.
Homenageio os pais que trocaram os abraços, o ambiente da família, os aniversários e os almoços porque tiveram que estar longe para garantir o sustento ou algum futuro aos filhos.
A distância com renúncia, mesmo com todo peso, há de ser reconhecida.
Meu pai me deixou há cerca de vinte anos, mas nunca saiu de mim.
O tempo passou, meu pai. Hoje sou eu que tenho que cobrir os meus filhos entrando sorrateiramente em seus quartos. Beijando-os com cuidado para que não acordem, como fazia.
Quero dizer que às vezes eu via, e por covardia ou pra não estragar o momento, eu nunca falei.
Hoje sou eu quem cobra as notas da escola e olho com ternura, mesmo sabendo que eu nunca poderei olhar com o amor que um dia os seus olhos me fitaram.
Porque eu nunca serei melhor que ti.



Que belo texto. Parabéns
Ainda estou sem respirar. Emocionante
Um home de sensibilidade aguçada. ë isso
Pensei que vc só escrevesse de política. Abrir a alma assim mostra uma alma doce. Muito legal
Carlos Britto, quando vc escreve com essa alma eu não me contenho. Você é quem escreve melhor em todo o são francisco. Meus sinceros cumrpimentos
Quase nunca concordocom suas opiniões políticas, mas não posso duvidar do seu talento de emocionar. Saudações e Feliz Dia dos Pais
Isso é amor, Britto. Amor puro, cativo e desinteressado.
PARABÉNS PELO DIA DOS PAIS CARLOS BRITTO, E UM TEXTO BEM ESCRITO E DE MUITO BOM GOSTO.
FICA COM DEUS.
EDUARDO SANTOS
Encontro no texto a saudade do filho que fui e forças para o pai que sou.Muito bom.Parabéns a todos nós, pais,quem escreveu e leitores pelo privilégio .
Carlos Brito,
A morte de um filho se inicia com a morte do pai… Saudade eternas de FRANCISCO JOSÉ CAVALCANTE – CHICO ESCRIVÃO!