Indústria da seca agrava pior estiagem em 50 anos

por Carlos Britto // 31 de março de 2013 às 16:25

Seca_640x360Ao sair de casa, na última terça-feira (26), para visitar uma filha no centro da cidade sertaneja de Floresta, a 439 quilômetros de Recife, Manoel Afonso dos Santos, de 82 anos, delegou uma triste tarefa à mulher, Maria Fátima Alves Laurentino, de 46: deixar com fome o cavalo Canário por um dia, para que não faltasse ração aos bois Sereno e Mineiro e ao bezerro Boa Vista. Morando em uma casa de taipa, sem direito a água nem colheita, ele adotou esses rodízio para administrar os seis hectares do sítio Riacho do Ouro, onde, ao longo dos últimos doze meses, viu sumir o patrimônio de uma vida, na pior seca em meio século. Assistiu à morte de 31 bichos e vendeu cinco outros, “a preço de banana” para garantir o sustento dos que sobreviveram.

Seca: levantamento aponta foco em ações remediadoras

Em Serra Talhada, também no sertão, a 418 quilômetros de Recife, José Lopes da Costa, de 78 anos, vive a mesma dor: já perdeu 20 cabeças de gado. Há um mês, vendeu uma “junta de boi de trabalho” por R$ 5 mil para garantir alimentação dos que sobraram. Era bicho “danado de bom”, que Zeca do Jazigo, como o agricultor é mais conhecido, não pretendia comercializar por dinheiro algum. Em São Caetano, no agreste, José Albertino da Silva, de 75 anos, já não tem “mais nenhum bichinho”. Nem tentou plantar melancia, milho, feijão e mandioca porque “a terra não molhou” no seu sítio, chamado ironicamente Poço D´Água.

Além de verem os rebanhos minguarem Afonso, José e Albertino são a prova de que a indústria da seca não acabou: eles vêm gastando os últimos trocados na compra de água, já que a frota oficial não atende à demanda das populações da caatinga.

— Água virou ouro, e tem muita gente enricando com ele — reclamaram Maria Angelina Cordeiro, de 71 anos, e sua filha, Josefa Márcia, de 29.

Elas moram no Sítio Mocós, em Tacaimbó, também no agreste, uma zona de transição entre a Zona da Mata e o sertão. Beneficiária de aposentadoria rural, Maria pôde comprar água. Este ano já gastou R$ 600 só com pagamento de carros-pipa. Contou que a venda da água, transformada em artigo de luxo, virou um negócio tão rentável, que há pessoas vendendo até automóveis para comprar caminhões-tanque:

— Teve um aqui perto que vendeu um açude por R$ 3 mil — disse ela, referindo-se a Albino Jota Barros, que não foi localizado em casa pelo GLOBO.

Carro-pipa chega a custar R$ 180

O comprador do açude, segundo a agricultora, secou a represa e vendeu a água a um preço muito alto para os lavradores já descapitalizados com a estiagem. O problema, porém, é mais abrangente: O GLOBO não esteve em uma só casa onde os moradores não compraram água na atual seca. Os preços não são baixos: variam de R$ 120 a R$ 180 cada carro-pipa. Na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tacaimbó, a 169 quilômetros de Recife, a maioria dos lavradores levantou as mãos, quando pergunta se já tinha gasto dinheiro com água este ano.

— Não comprei, mas não por falta de necessidade, mas por falta de dinheiro. Minha cisterna está seca — reclamou José Herculino de Macedo, de 66 anos.

Quem comprou reconhece a exploração. Angelina contou que parentes seus, que moram na cidade com água encanada, têm conta mensal de R$ 36 com uma família do mesmo tamanho da sua. Ela não entende por que tem que pagar um preço tão exorbitante pelo que é um direito. Em Pernambuco, há 1.476 carros-pipa em operação: 638 do Exército e 838 do governo estadual. Isso sem falar nos mobilizados pelas prefeituras. Mas, segundo a população da caatinga, a oferta está longe de atender à demanda. Assim quem quase mais nada têm a oferecer é explorado. Gente como Adriano João da Silva, de 23 anos, residente em São Caetano, vizinho a seu Albertino, que está vendendo o rebanho para comprar água e comida para a família e os caprinos:

O governo diz que vem todo mês uma carrada, mas não chega. A gente compra a R$ 130 no caminhão, e nem boa a água é, é salobra a danada. Até os bichos acham ruim — disse Adriano.

Para economizar, ele gasta três horas diárias no jumento para arranjar água barrenta nos açudes que ainda têm “um espelhinho” na caatinga. Precisa de 250 litros por dia para matar a sede das 40 cabras que restam.

Dez milhões afetados pela seca

Segundo a presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Tacaimbó, Antônia dos Santos Nascimento, há 300 reclamações de que falta ajuda dos caminhões oficiais. Apesar disso, o Ministério da Integração Nacional informou que a Operação Carro-Pipa é a maior já executada no país, coordenada pelo Exército. São 4.649 unidades, atendendo a 763 municípios, levando água a 3 milhões de pessoas. Só essa operação já custou R$ 510,1 milhões ao governo. Cerca de dez milhões de nordestinos foram afetados pela seca.

No cenário devastado, furto de cisternas piora a situação

Ao percorrer 1.200 quilômetros, foi possível ter a dimensão dos danos causados pela seca. Os açudes, barreiros e rios, como o Pajeú e o Riacho do Navio, estão secos. O verde da caatinga transformou-se num amontoado de galhos cinzentos, como às margens da BR-232, que liga Recife ao agreste. Ao lado da pista, as carcaças de bois mortos são facilmente encontradas.

Só no quilômetro 176 da BR, na altura do município de Belo Jardim, havia 16 carcaças, algumas recentes, cena que se repetiu 16 quilômetros adiante, no município de Sanharó.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), prometeu que, até 2014, todas as casas da caatinga terão uma cisterna, de concreto ou de polietileno, como as distribuídas pelo governo federal, que diz ter entregue 250 mil unidades no semiárido. Muitas, não foram instaladas e já houve casos de furto, como em Floresta, disse Josélio Amaro Lisboa, coordenador do Comitê Gestor Municipal. Ele denunciou o sumiço de duas à polícia.

Os ladrões de cisternas (cada uma armazena 16 mil litros) não foram identificados. Elas foram furtadas às margens da rodovia PE-360. Iriam ser instaladas em duas escolas municipais, no vilarejo de Jericó. Ao contrário das cisternas de concreto, instaladas pela Articulação do Semiárido (ASA), as do governo não têm número de série, o que torna difícil seu rastreamento. Têm só o carimbo do “Água para todos”, o slogan “País rico é país sem pobreza” e a marca de fábrica.

Os efeitos da seca deverão ser tema da reunião que a presidente Dilma Rousseff terá com os governadores em Fortaleza esta semana. Até o momento, são 1904 municípios nordestinos em estado de emergência. O Ministério da Integração Nacional informou que já investiu R$ 5 bilhões (desde 2012) para reduzir os efeitos da estiagem sobre a população do semiárido, por meio de benefícios como o Bolsa Safra, o Seguro Garantia Safra, a venda de milho subsidiada e crédito a juros baixos. O ministério negou que a indústria da seca persista, já que os beneficiários das medidas emergenciais constam do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal identificados como de baixa renda. (Letícia Lins – O Globo)

Indústria da seca agrava pior estiagem em 50 anos

  1. jorgilson cabral disse:

    Mas verba para copa do mundo não falta.

  2. CULPADO GOVERNO FEDERAL disse:

    Se o governo federal diz que não tem dinhero pra atender as seca do nordeste e os estrágo da chuva no rio de janeiro ele tá gastando biliões de reais pra gringo assistir a copa do mundo no Brasil. Isso não da pra entender mais dá sim é falta de interesse no povo. Dinero gasto na copa do mundo é botado fora porque o brasileiro não vai puder assistí os jogo póis a ingresso mais barato custa 450,00 reais. No fim de tudo nem o povo recebe ajuda onde ta sofrendo e o dinheo publico t[a sendo gastádo e jogado fora. Agora pra fazer campanha politica antes do tempo os candidato vem pra ca pro nordeste e enche a cabeça dos besta de mentira.

  3. Nordestino revoltado disse:

    Caros governantes,

    É injusto tudo o que acontece, a seca já existe no nordeste a muitas décadas e quem está no poder é quem deve construir meios de convivência com tal seca tão devastadora, que andando pelas estradas vicinais ou asfalto o cenário é triste, o que se ver é esqueletos de gados estirados que nem os urubus ou cães não conseguem comer porque só há o couro e o osso. É muito doloroso pois os animaizinhos sobrevivem até quando pode e os seus donos choram sem ter o que fazer. Até quando meu Deus, iremos esperar que esses governos olhem para o nordeste e façam alguma coisa? acho que depois que tudo acabar. SENHOR! tenha piedade pelo menos dos inocentes, se for esperar pelo homem estamos todos fritos nesse sol escaldante do sertão.

  4. pensador do sertão disse:

    Tudo isto é culpa de nós mesmos pois na época das eleições ainda não aprendemos a escolher pessoas comprometidas com o bem comum, e sim com seus interesses políticos e pessoais. Precisamos dá um basta nesta realidade, temos quer ser mais coerente e consciente nas eleições futuras. MUDA POVO, MUDA BRASIL!

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