Artigo do Leitor: “ São João, a morte anunciada de uma cultura viva”

por Carlos Britto // 02 de junho de 2025 às 17:15

Foto: arquivo/divulgação

Neste artigo, o advogado Rivelino Liberalino faz uma crítica contundente ao “apagamento” das tradições nordestinas nas festas juninas. Para ele, o São João deixou de ser uma celebração popular para se transformar em um espetáculo comercial que prioriza nomes da moda e interesses financeiros, deixando de lado artistas que representam de fato a alma do povo nordestino.

Confiram:

O que fizeram com o São João não foi descuido.

Foi desmonte.

Foi apagamento deliberado.

Foi um assassinato simbólico — e o mais cruel: com a cumplicidade silenciosa de quem deveria gritar.

O São João sempre foi mais que festa: é a epifania do Nordeste.

É quando o povo se reencontra com suas raízes, dança a história de seus avós e canta, entre bandeirolas e balões, a poesia, a alegria e o orgulho de ser nordestino.

É memória acesa em cada balão, em cada sanfona, em cada sapateado de poeira e alegria.

É o tempo em que a dor vira canto, a seca vira verso, a saudade vira dança.

Mas hoje…

Hoje, o que era altar de memória, virou balcão de negócios.

Onde antes se exaltava a alma do sertão, agora se negocia visibilidade com base em likes, em modismos, em contratos empresariais que sabem tudo de marketing, mas nada de Nordeste.

Prefeituras disputam quem gasta mais, quem traz o nome mais “estourado”.

E em nome do “maior São João do mundo”, vão sepultando, com pompa e luzes, o que temos de mais precioso: nossa identidade.

Flávio Leandro, Petrúcio Amorim, Flávio José, Maciel Melo, Elba Ramalho…

Poetas vivos da alma nordestina.

Ícones. Vozes que cantam o sertão com as suas lutas, superações e amores.

Todos sendo empurrados para os bastidores, esquecidos nas programações ou usados como figurantes em suas próprias festas.

Estão sendo enterrados vivos, ano após ano, entre um refrão raso de sofrência e outro de sertanejo pasteurizado, onde a única coisa que se repete é a ausência de verdade.

É doloroso dizer isso.

Mas, mais doloroso é fingir que não estamos vendo.

Cadê o céu dos balões?

Cadê a fogueira com cheiro de infância?

Cadê a zabumba marcando o compasso da alma?

Cadê o menino do bairro que sonhava em tocar triângulo no palco da cidade?

Morreu. Tudo isso morreu.

E o luto tem sido dançado como se fosse celebração.

Não foi o tempo que matou o São João.

Foi a omissão.

Foi o lucro.

Foi a troca do conteúdo pela embalagem.

E o mais triste: estamos aplaudindo.

Nordestinos estão vestindo o figurino da festa e sorrindo enquanto enterram a própria história.

Estamos confundindo inovação com submissão.

Estamos trocando poesia por performance.

Estamos perdendo tudo — e achando bonito.

É preciso dizer com todas as letras: estamos sendo colonizados dentro da nossa própria casa.

O que estamos vivendo é um processo brutal de descaracterização cultural.

E ele é silencioso porque foi maquiado de modernidade.

Mas é um corte profundo, que sangra e mata lentamente.

Não se trata de rejeitar a música de fora. Mas sim de entender que o São João não é um festival genérico.

É festa de raízes. É tempo sagrado para os que mantêm acesa a fogueira do pertencimento.

A cultura nordestina não é apêndice, nem entretenimento opcional.

São João não é palco de modismo. É altar de memória.

Ela é resistência. É identidade. É o que nos resta num país que já nos negou quase tudo.

É preciso criar políticas culturais sérias, que priorizem quem faz arte no sertão, nas vilas, nos bairros esquecidos.

É preciso educar, emocionar, despertar.

Porque se o São João deixar de ser nosso,

não nos sobrará nem a festa, nem a fé.

O São João é teu, Nordeste!

Tua alma pulsa no som da zabumba.

Tua história mora no fole da sanfona.

Tua coragem está no canto do vaqueiro, no sapateado da quadrilha, no verso do repentista.

Não deixemos que matem nossa identidade diante dos nossos olhos.

Resistir é dançar forró na contramão da indiferença.

É dizer em alto e bom som: Enquanto houver um fole tocando, uma zabumba batendo — tal qual a pulsação do coração — e um triângulo soando no terreiro da vida, o Nordeste estará vivo.

Rivelino Liberalino/Advogado militante nas áreas cível e trabalhista, pós-graduado em Direito Tributário pelo IBPEX- Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão

Artigo do Leitor: “ São João, a morte anunciada de uma cultura viva”

  1. Sempre alerta disse:

    Viva o sao breganejo!

  2. ISNAILDO ALVES SILVA disse:

    Concordo com tudo isso, o São João virou breganejo

  3. Francisco disse:

    São João virou caixa dois para eleger espertinhos com o dinheiro público. O PIOR: todo mundo sabe disse e ninguém faz nada, principalmente as autoridades. É pura roubalheira, com o aval do povo.

  4. Ronaldo Moraes disse:

    Rivelino Liberalino bem colocado os versos e prosas sobre o fim das tradições juninas.

    São João pé de Serra não existe mais em Pernambuco, por incrível que pareça tem no Pelourinho em Salvador, Mucugê na Bahia e outras pequenas cidade do Interior da Bahia.

    Veja onde Alcimar Monteiro, Targino Gondim e outros foram contratados.

  5. verlania disse:

    Milhões em dinheiro público estão sendo despejados pela Prefeitura na contratação de artistas que nada têm a ver com a tradição junina. O forró de raiz deu lugar a atrações que servem apenas ao gosto comercial de quem lucra com a festa, e não ao povo que a sustenta com seus impostos.

    Enquanto isso, um nome sempre aparece por trás da engrenagem: Bruno. Famoso no Recife pelas festas milionárias que organiza, ele surge, como sempre, como o grande beneficiado de uma licitação que ninguém vê acontecer. Coincidência? Difícil acreditar. O que se vê é que esse grupo passa a explorar absolutamente tudo dentro da estrutura do evento.

    Pontos de venda de comidas e bebidas são comercializados a preços absurdos ; e quem compra ainda é obrigado a vender apenas os produtos de uma única marca, geralmente de baixa qualidade e superfaturada. Uma marca que, por sinal, também “patrocina” o evento, enfiando ainda mais dinheiro no mesmo bolso.

    Um whisk vagabundo, vendido por 20 reais em qualquer lugar, é enfiado por 150 pros barraqueiros, que tem que revender pro povão por no mínimo 250. Essa conta não fecha! Ou fecha no bolso do tal Bruno e de quem permite tamanho abuso.

    O povo? Esculachado na entrada e na saída. Não pode levar sequer um copo de água. Isso vale tanto na área pública quanto no camarote VIP. Os portões da vergonha estão lá para garantir que nenhum centavo escape desse esquema de exploração.

    Ao final, o resultado é um só: por baixo, meio bilhão de reais nos bolsos de poucos, à custa da fé, da tradição e da dignidade de muitos.

    Isso não pode ser normalizado. É hora de abrir os olhos, questionar quem está se beneficiando e cobrar respeito com o dinheiro e com o povo de Petrolina.

  6. Thiago disse:

    Rivelino e Verlania, obrigado pelos excelentes comentários! É muito triste mesmo a nossa tradição mais importante virando um balcão de negócios! O que mais me impressiona é ver axé e DJs internacional numa festa como essa… uma pena e vergonha!

  7. Petrolinense nato disse:

    Esse comentário da Verlania diz tudo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Últimos Comentários