Artigo do leitor: “Reflexões pessoais sobre o momento Covid”

por Carlos Britto // 04 de maio de 2020 às 10:32

Foto: divulgação

Neste artigo, o médico e cientista de Petrolina, Anderson Armstrong, voltou a reforçar que medidas extremas de isolamento social podem não ser as mais adequadas para o enfrentamento do novo coronavírus (Covid-19).

Confiram:

Quando a epidemia do Covid estava começando, ouvi que teríamos um mundo mais solidário e tolerante ao final do caos. Infelizmente, esse não parece ser um legado real pós-Covid. Temos visto uma acentuação das posições polarizadas que já predominavam antes da epidemia, agressões verbais gratuitas, falas de ódio.

Eu tive durante a epidemia o desprazer de ouvir colega médico defender que quem fosse contra isolamento, não deveria ter direito à UTI. Meu Deus! Sabemos que fumar causa câncer de pulmão, comer doce piora o diabetes, vida sedentária e desregrada aumenta chance de doenças cardíacas.

São relações de causa-consequência bem estabelecidas na medicina e do conhecimento de todos. Nem por isso se cogita negar tratamento de câncer a quem fumava (ou ainda fuma!). Pior, não conheço médico que tenha negado atendimento emergencial a um bandido baleado ou a político corrupto.

Eu tenho estudado as evidências para o isolamento social ser empregado de forma gradual (sim, há medidas graduais) e respeitando os momentos epidemiológicos de cada localidade. Afinal, parar tudo não é isento de custo. Pelo contrário, cobra custo alto na saúde mental das pessoas e na economia de uma região pobre como o nosso Sertão. A decisão de que grau de isolamento deve ser empregada e de quando isso deve ocorrer precisa ser feita com responsabilidade, em minha visão.

As evidências mostram que o papel do isolamento social é o de impedir que todos adoeçam simultaneamente, e não impedir que a pessoa adoeça para sempre. Não é um Fla-Flu de duas torcidas organizadas, e sim uma discussão científica, com suas controvérsias e suas evidências. Na minha visão, sem uma vacina em horizonte próximo, a chegada da epidemia me parece inevitável. Critico a visão que dá como verdade absoluta o que de fato são previsões matemáticas.

Não há medida milagrosa que possa justificar uma previsão de que estaríamos com mais de um milhão de mortos neste momento e termos cerca de 5 mil. A explicação é que houve erro nos modelos matemáticos e, assim, seguimos sem saber o real impacto das medidas adotadas na pandemia.

Tenho dito que chegar a graus mais extremos de isolamento é uma arma válida quando aplicada com o objetivo adequado e seguindo algum tipo de critério. Nunca acusei gestor de estar errado, porque simplesmente reconheço que a pandemia Covid é algo tão novo que não temos evidências conclusivas para nada. Mas, como médico e cientista, não saber não significa aceitar qualquer coisa como certa. Se uma coisa ficou clara nesta epidemia é que a ciência é o caminho para o enfrentamento e a ciência não aceita dogmas, e sim sobrevive das controvérsias. Neste momento, não há evidências que permitam julgar quem está certo ou errado, mas uma visão científica crítica deve sempre prevalecer.

Independente disso, somos seres humanos e estamos no mesmo barco. O diabético que come doce merece atendimento médico de qualidade, mesmo que a relação de causalidade seja repleta de evidências. Transformar em dogmas medidas de gerenciamento de crises que não possuem de longe esse nível de evidência é um equívoco. Condenar quem analisa os dados e gera controvérsias é um erro.

Eu não sou simplesmente contra o isolamento, tampouco acho que se trate de uma gripezinha. Pelo contrário, me preocupo em participar dos preparativos para a possibilidade iminente de caos nos sistemas de saúde. Eu me coloco na linha de frente gerencial e assistencial. Já atendi paciente com Covid, estou estudando incessantemente a epidemiologia da doença e quero aprender e enfrentar o problema, sem me esconder atrás de posições polarizadas ou frases feitas e sem viés político-partidário.

Mesmo não acreditando que teremos em Petrolina algo similar a Nova Iorque em número de casos, nosso sistema de saúde público fragilizado e cronicamente insuficiente não precisa de muito para experimentar o caos (talvez vivamos cronicamente em um caos, infelizmente). E por conhecer há mais de duas décadas o SUS aqui em nossa região, eu estou preocupado do ponto de vista populacional, e estou em constante ação na tentativa de minimizar os riscos. É como vejo meu papel de médico e de cientista.

Eu acho que um problema existe com a divulgação dos números absolutos. Estão-se perdendo dois focos importantes: inevitabilidade da infecção; baixo risco individual. A epidemiologia da doença parece mostrar que muitos serão contaminados; uma parcela ficará assintomática; maior parte dos casos será leve; alguns serão internados; proporcionalmente um número muito menor vai vir a morrer. Claro que os números absolutos chocam, que cada vida importa. Claro que uma notícia negativa tem um impacto mais avassalador do que algumas notícias positivas. Nós, médicos, lidamos com essa probabilidade sempre e não há risco zero para doenças, mesmo na ausência da epidemia atual. Infelizmente, é frequente que eu precise tratar cardiopatas mais jovens do que eu mesmo, pessoas aparentemente sem fatores de risco e mesmo pessoas que fazem avaliação preventiva regularmente. Ninguém está isento de adoecer.

Diante desses fatos, não vejo qualquer vantagem em travar discussões que não me pareçam construtivas. Tenho procurado aceitar a inevitabilidade da doença chegar e tentar minimizar os efeitos, mas mantendo a perspectiva do efeito esperado para cada ação. Manter meu raciocínio clínico no prumo, e não carregado simplesmente pelo medo.

Eu me coloco em situações de maior risco, porque sou médico e reconheço meu papel importante na promoção da saúde nesta pandemia. Então, atendo pacientes e me prontifico a atuar em qualquer situação na pandemia do Covid. Vejo assim meu risco pessoal como profissional de saúde:

– muito alto risco de ser contaminado pelo Covid;

– moderado risco de ter sintomas;

– baixo risco de ser internado;

– muito baixo risco de morrer.

Mas o risco existe para mim e para os meus familiares que convivem comigo.

Quando lidamos com conceitos científicos, a afecção individual não muda o todo. Mesmo que eu morra de Covid, a realidade é que eu terei morrido de algo com baixa probabilidade de ocorrer. E eu tenho uma probabilidade maior como profissional de saúde do que uma pessoa com características semelhantes às minhas e que não esteja na linha de frente.

Considerando que tenho cuidados com EPIs e higiene, o restante não consigo controlar e é justamente essa sensação de impotência, por não conseguir controlar a situação, que gera toda essa ansiedade na população e nos profissionais de saúde. Isso não é diferente.

Nos tempos atuais, os seres humanos têm trabalhado pouco a resignação. No passado, atribuíam-se a Deus muitos fatos e se colocavam em suas mãos os infortúnios da probabilidade. Hoje se acredita mais comumente que todos merecem ser felizes e que seus destinos estão em suas próprias mãos. Respeito todas as formas de ver a vida. Pessoalmente, eu ainda encontro conforto em Deus, pessoalmente e do meu jeito.

Tenho conseguido manter minha ansiedade contra vírus sob controle, porque estou acompanhando os números para estimativa de risco, estou usando as medidas que se mostram efetivas para reduzir a carga viral. O resto está nas probabilidades e nas mãos de Deus!

E contem comigo! Contem com todos os meus esforços e com tudo o que estiver ao meu alcance para tratar de cada um de vocês e das pessoas que amam. Enquanto eu tiver forças, estarei na linha de batalha, enfrentando (sempre de forma crítica e apaixonada) os males vividos neste momento ímpar pelo que passamos, do diabético que comeu doce ao doente infectado pelo Covid.

Anderson Armstrong/Médico

Artigo do leitor: “Reflexões pessoais sobre o momento Covid”

  1. Otaviano Alves Cajui(CD) disse:

    Felicito pelo artigo, e daqui da minha pequenez ouso palpitar, porque viver é correr riscos, mas temos que correr com sabedoria e serenidade, e sabendo que nem tudo que eu quero eu posso. E ai fica o dilema, devo me apagar muito ao que é ventilado, ou não me preocupar muito com os males advindos, o primeiro caso me levará a muito estresse, já o segundo corre-se o risco de morrer fora de hora, e assim sabendo que nem tudo eu posso controlar, as vozes da razão falam aos meus ouvidos, te cuida.

  2. Paulo Lavigne disse:

    Parabéns meu caro Dr. Anderson. Finalmente pude desfrutar de uma leitura recheada de sensatez, coerência e esperança. Admiração e gratidão pelas sábias palavras.

  3. Marcos disse:

    Parabéns Dr Armstrong pela lucidez. Lamento as rasteiras sofridas pelo Sr de politiqueiros e pouco produtivos da Univasf. Fico com o seu curriculo http://lattes.cnpq.br/4147721000446589
    de brilhante e dedicado cientista.

  4. Marcos disse:

    Engraçado fui olhar o lattes do cientista e não vi nada de virologia e infectologia. Será que isso não é pitaco??
    Será que o mundo inteiro errou e só esse cientista acertou e deveriamos parar agora, ou ele está querendo se autopromover com essa foto dele e estes textos? Sem base cientifica.

    1. Dreda disse:

      Amigo, ele não é virologista, nem infectologista. É cardiologista, professor de pós graduação da Univasf em EPIDEMIOLOGIA. Outra coisa não, mas base científica para falar sobre a pandemia, Dr Anderson tem.

    2. Rafael disse:

      Você terminou pelo menos o ensino fundamental, Marcos?

  5. Edpo disse:

    Não tente comparar um diabético que só gera risco para si a alguém que é contra o isolamento social em meio a uma pandemia de um virus como o COVID. Quem defende o povo na rua, trabalhando como se nada estivesse acontecendo está se colocando em risco e colocando todas as outras pessoas que se aproximem dele em risco. Se ele tem direito a UTI ou não é outra discussão, a qual não vou entrar.

    Gostaria de levantar alguns pontos para o senhor estudar sobre o isolamento gradual. Não somos um país de primeiro mundo, não temos capital e nem estrutura para dar uma resposta rápida e certeira quanto a esse tipo de problema, e inclusive países de primeiro mundo não tiveram essa mesma resposta graças a incompetência de seus governantes, a Coréia do Sul conseguiu reprimir o vírus porque realizou centenas de milhares de testes, nós não sabemos nem a quantidade REAL de casos que temos simplesmente por não ter testes. Outro problema é um reflexo da educação que temos tido durante décadas, a nossa população é de modo geral ignorante e composta basicamente por analfabetos funcionais que só conseguem ver o mundo em preto e branco. Não há de maneira geral uma conscientização por parte das pessoas e isso gera dificuldades em se implantar qualquer medida que não seja agressiva.

    As pessoas estão se escondendo da realidade, a quarentena para muitos não passa de férias, o Presidente da república vai a público dizer “que é gripezinha, que o povo tem que trabalhar, e daí se morreram 7 mil pessoas?”, não tem quarentena certa porque os idiotas vão continuar saindo de casa pra fazer caminhada, corridinha, ir a praia…
    No Brasil em razão das particularidades que temos a única coisa que realmente teria surtido efeito REAL desde o inicio seria o Lockdown.

    Essa é a minha opinião, apenas.

  6. Trabalhador (não empresário) disse:

    Sim lindão… Fumar e comer doces, só afetam a si próprios, diferente desse vírus.
    Que vc é gado do presidente, todos nós sabemos… Fique com sua opinião pra vc mesmo.

  7. Maurício gomes disse:

    Bom ser funcionário público, com salário garantido no fim do mês. Bom defender quarentena, fazendo lives e assistindo filmes. Vai ser um chororô com ausência de reajustes até 12/2021. Que venha o corte salarial. Que prevaleça a ciência.

  8. Álvaro Moreira disse:

    Não costumo emitir comentários em blogs ou afins, apenas me prendo à leitura, mas como Médico sinto-me na obrigação de expor que tal opinião vai de encontro ao bom senso e noção de prevenção que devemos ter. Tentem convencer quem perdeu seus parentes do contrário. Sejamos mais responsáveis.

  9. Marcos disse:

    De novo o presente Ele quer seguir a cartilha de bolsonaro, comparar diabetes com uma doença que é transmissível e atualmente contagiosa – *Da série _”é só uma gripezinha”_*

    *Coronavírus é ‘tão mortal quanto ebola’ em casos de internação, diz estudo britânico*

    BBC News Brasil | Coronavírus é ‘tão mortal quanto ebola’ em casos de internação, diz estudo britânico – https://www.bbc.com/portuguese/geral-52481818?ocid=wsportuguese.chat-apps.in-app-msg.whatsapp.trial.link1_.auin

    Esse cidadao não é cientista, e sim egocentrico.

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