Em mais um artigo, o leitor Rivelino Liberalino analisa sobre a essência do que é liberdade. Confiram:
Há séculos, os grandes homens da humanidade disseram o mesmo, mas nós, cegos pelo brilho das vitrines, seguimos fingindo não ouvir. Tolstói, Buda, Cristo, Sócrates, Diógenes — todos compreenderam que a verdadeira grandeza não está em acumular, mas em renunciar. Os maiores ícones da história não foram conquistadores, mas libertos.
Tolstói, no crepúsculo da vida, olhou para dentro e viu o abismo. Em A Morte de Ivan Ilitch, mostrou o drama de um homem que viveu como tantos: respeitável, correto, aceito — e miseravelmente infeliz. Morreu sem nunca ter vivido. Vivia para os olhos alheios, para o teatro da aparência, e quando o pano caiu, descobriu-se estrangeiro dentro da própria alma.
A tragédia de Ivan é a nossa. Vivemos como atores exaustos, interpretando o papel que o mundo exige, até o corpo adoecer e o coração denunciar. Tolstói viu o que os estóicos e a ciência confirmaram depois: quem vive longe da própria verdade apodrece em vida.
Mas há quem rompa o roteiro. Daniel Day-Lewis, um dos maiores atores do mundo, simplesmente desapareceu. Deixou Hollywood, a fama, os holofotes e foi fazer sapatos em Florença. Enquanto todos perguntavam “por quê?”, ele apenas voltava a respirar. No silêncio da oficina, reencontrou o sentido das mãos, do tempo e da paz. Provou que o luxo supremo é viver em paz com a própria consciência.
Esse gesto atravessa os séculos. Buda, príncipe entre sedas, abandonou o palácio para compreender a dor humana. Cristo, o Filho do Homem, não tinha onde reclinar a cabeça, mas carregava o descanso de todos. Diógenes, o cínico, vivia nu de vaidades e rico de liberdade. Quando Alexandre, o Grande, lhe perguntou o que podia oferecer, respondeu: “Sai da frente do meu sol.” Ali, o poder se curvou diante da sabedoria. Sócrates, o mestre da razão, preferiu beber a cicuta a trair sua verdade — renunciou à vida para não renunciar à alma.
Esses homens não fugiram do mundo. Eles o transcenderam. Mostraram que a renúncia não é fraqueza, é libertação. Que o verdadeiro fracasso é viver preso ao que brilha, mas não ilumina.
Hoje, vivemos o contrário. Transformamos a ostentação em virtude e a superficialidade em mérito. A geração de Ivan Ilitch agora tem perfil, senha e seguidores. E um tal de Buzeira, ídolo do nada, tornou-se símbolo de um tempo que confunde visibilidade com valor. Vivemos para parecer felizes — e morremos sem jamais sentir alegria.
Tolstói perguntava: “Como devemos viver, sabendo que vamos morrer?” Lembro de uma tarde na orla do São Francisco, o vento quente, o sol baixo, e pensei em Buda deixando o castelo, em Cristo sem travesseiro, em Diógenes pedindo apenas o sol. Sócrates, silencioso. E Daniel, longe dos holofotes, costurando couro. A paz, quando chega, não faz barulho.
Todos, de algum modo, voltaram para casa — a casa interior, onde mora o silêncio. O homem só se encontra quando cansa de fingir. E só começa a viver quando tem coragem de perder o mundo para não perder a si mesmo.
O verdadeiro luxo é poder dormir em paz. Sem máscaras, sem plateia, sem performance. Tolstói acendeu o alerta, os renunciantes mostraram o caminho e o espelho do vazio moderno está diante de nós. A pergunta é simples — e inevitável: até quando você vai representar?
Rivelino Liberalino/Advogado



A hipocrisia produz textos como este e a pergunta do hipócrita, ao invés de ser direcionada ao público, aos leitores, deveria, como diz a própria “historinha pra boi dormir”, ser de auto análise do pretenso nobre colunista/advogado.
Grande texto!!! Obrigado Rivelino por esse momento de reflexão! Temos que parar para pensar o que realmente somos. Infelizmente nossa sociedade está adoecendo cada vez mais
Meu caro Zezim da Jega Amojada,
Há comentários que dizem mais sobre quem os escreve do que sobre quem os recebe — o seu é um desses.
A amargura tem um jeito curioso de se disfarçar de crítica, e a inveja, quando se sente impotente, costuma buscar refúgio no anonimato. É compreensível: a sombra sempre se incomoda com a luz.
Você me lê, se irrita, e escreve — o que, de certa forma, já é uma forma de admiração. Há em seu gesto mais reconhecimento do que ofensa. Quem não tem o que criar, tenta negar o que o outro constrói; quem não brilha, tenta apagar o brilho alheio.
Mas fique em paz, Zezim. A mim não alcança o fel de quem se alimenta do próprio rancor.
E, se lhe serve de consolo, saiba que já o tenho, junto com alguns outros, como parte da minha pequena coleção de haters de estimação — personagens recorrentes que, sem perceber, apenas confirmam o alcance daquilo que tentam diminuir.
No mais, desejo-lhe luz — ainda que a claridade doa um pouco em olhos acostumados à penumbra.
Com estima,
Rivelino Liberalino
De fato, um bom texto, que todo soberbo deveria ler.