Artigo do leitor: “O Despertar – entre Tolstói, o Sapateiro e o Espelho do Vazio”

por Carlos Britto // 31 de outubro de 2025 às 21:50

Foto: reprodução

Em mais um artigo, o leitor Rivelino Liberalino analisa sobre a essência do que é liberdade. Confiram:

Há séculos, os grandes homens da humanidade disseram o mesmo, mas nós, cegos pelo brilho das vitrines, seguimos fingindo não ouvir. Tolstói, Buda, Cristo, Sócrates, Diógenes — todos compreenderam que a verdadeira grandeza não está em acumular, mas em renunciar. Os maiores ícones da história não foram conquistadores, mas libertos.

Tolstói, no crepúsculo da vida, olhou para dentro e viu o abismo. Em A Morte de Ivan Ilitch, mostrou o drama de um homem que viveu como tantos: respeitável, correto, aceito — e miseravelmente infeliz. Morreu sem nunca ter vivido. Vivia para os olhos alheios, para o teatro da aparência, e quando o pano caiu, descobriu-se estrangeiro dentro da própria alma.

A tragédia de Ivan é a nossa. Vivemos como atores exaustos, interpretando o papel que o mundo exige, até o corpo adoecer e o coração denunciar. Tolstói viu o que os estóicos e a ciência confirmaram depois: quem vive longe da própria verdade apodrece em vida.

Mas há quem rompa o roteiro. Daniel Day-Lewis, um dos maiores atores do mundo, simplesmente desapareceu. Deixou Hollywood, a fama, os holofotes e foi fazer sapatos em Florença. Enquanto todos perguntavam “por quê?”, ele apenas voltava a respirar. No silêncio da oficina, reencontrou o sentido das mãos, do tempo e da paz. Provou que o luxo supremo é viver em paz com a própria consciência.

Esse gesto atravessa os séculos. Buda, príncipe entre sedas, abandonou o palácio para compreender a dor humana. Cristo, o Filho do Homem, não tinha onde reclinar a cabeça, mas carregava o descanso de todos. Diógenes, o cínico, vivia nu de vaidades e rico de liberdade. Quando Alexandre, o Grande, lhe perguntou o que podia oferecer, respondeu: “Sai da frente do meu sol.” Ali, o poder se curvou diante da sabedoria. Sócrates, o mestre da razão, preferiu beber a cicuta a trair sua verdade — renunciou à vida para não renunciar à alma.

Esses homens não fugiram do mundo. Eles o transcenderam. Mostraram que a renúncia não é fraqueza, é libertação. Que o verdadeiro fracasso é viver preso ao que brilha, mas não ilumina.

Hoje, vivemos o contrário. Transformamos a ostentação em virtude e a superficialidade em mérito. A geração de Ivan Ilitch agora tem perfil, senha e seguidores. E um tal de Buzeira, ídolo do nada, tornou-se símbolo de um tempo que confunde visibilidade com valor. Vivemos para parecer felizes — e morremos sem jamais sentir alegria.

Tolstói perguntava: “Como devemos viver, sabendo que vamos morrer?” Lembro de uma tarde na orla do São Francisco, o vento quente, o sol baixo, e pensei em Buda deixando o castelo, em Cristo sem travesseiro, em Diógenes pedindo apenas o sol. Sócrates, silencioso. E Daniel, longe dos holofotes, costurando couro. A paz, quando chega, não faz barulho.

Todos, de algum modo, voltaram para casa — a casa interior, onde mora o silêncio. O homem só se encontra quando cansa de fingir. E só começa a viver quando tem coragem de perder o mundo para não perder a si mesmo.

O verdadeiro luxo é poder dormir em paz. Sem máscaras, sem plateia, sem performance. Tolstói acendeu o alerta, os renunciantes mostraram o caminho e o espelho do vazio moderno está diante de nós. A pergunta é simples — e inevitável: até quando você vai representar?

Rivelino Liberalino/Advogado

Artigo do leitor: “O Despertar – entre Tolstói, o Sapateiro e o Espelho do Vazio”

  1. Zezim da Jega Amojada disse:

    A hipocrisia produz textos como este e a pergunta do hipócrita, ao invés de ser direcionada ao público, aos leitores, deveria, como diz a própria “historinha pra boi dormir”, ser de auto análise do pretenso nobre colunista/advogado.

  2. Thiago Magalhaes disse:

    Grande texto!!! Obrigado Rivelino por esse momento de reflexão! Temos que parar para pensar o que realmente somos. Infelizmente nossa sociedade está adoecendo cada vez mais

  3. Rivelino Liberalino disse:

    Meu caro Zezim da Jega Amojada,

    Há comentários que dizem mais sobre quem os escreve do que sobre quem os recebe — o seu é um desses.
    A amargura tem um jeito curioso de se disfarçar de crítica, e a inveja, quando se sente impotente, costuma buscar refúgio no anonimato. É compreensível: a sombra sempre se incomoda com a luz.

    Você me lê, se irrita, e escreve — o que, de certa forma, já é uma forma de admiração. Há em seu gesto mais reconhecimento do que ofensa. Quem não tem o que criar, tenta negar o que o outro constrói; quem não brilha, tenta apagar o brilho alheio.

    Mas fique em paz, Zezim. A mim não alcança o fel de quem se alimenta do próprio rancor.
    E, se lhe serve de consolo, saiba que já o tenho, junto com alguns outros, como parte da minha pequena coleção de haters de estimação — personagens recorrentes que, sem perceber, apenas confirmam o alcance daquilo que tentam diminuir.

    No mais, desejo-lhe luz — ainda que a claridade doa um pouco em olhos acostumados à penumbra.

    Com estima,
    Rivelino Liberalino

  4. Francisco Cruz disse:

    De fato, um bom texto, que todo soberbo deveria ler.

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