Artigo do Leitor: “Natal, o silêncio que salvou o mundo”

por Carlos Britto // 09 de dezembro de 2025 às 21:35

Neste seu novo artigo, o colaborador do Blog, Rivelino Liberalino, reflete sobre o verdadeiro sentido do Natal, apontando que ele não nasce nas luzes, no consumo ou nas vitrines enfeitadas, mas no silêncio humilde em que Deus escolheu entrar no mundo por meio de uma família pobre e sem privilégios. Ao revisitar a simplicidade de Maria e José, o autor lembra que a força do Natal está justamente na fragilidade, na renúncia e na coragem silenciosa de quem acredita. Em uma crítica ao uso distorcido da fé para justificar ostentação, ele reforça que Jesus escolheu a pobreza como linguagem, mostrando que a verdadeira grandeza está no serviço e na humildade.

Confiram:

O Natal não começa nas luzes das vitrines nem no barulho apressado das ruas. Não nasce das mesas fartas, das compras acumuladas ou dos enfeites que tentam recobrir o vazio de muitos corações. O Natal começa no silêncio, naquele silêncio profundo em que Deus decidiu entrar no mundo pela porta mais improvável: o ventre de uma mulher pobre e a casa simples de um homem justo que ninguém notava. E antes que os “teólogos” de internet se agitem, vale dizer com clareza: sim, Maria e José eram pobres. Pobres no sentido social e econômico de seu tempo. A prova mais objetiva está na oferta apresentada no Templo: a lei ordenava que quem tivesse recursos oferecesse um cordeiro; quem não tivesse, apresentava duas rolas ou dois pombinhos. O Evangelho registra que Maria e José ofereceram duas aves. É o atestado cristalino de que viviam com pouco. O nascimento no estábulo tampouco foi um detalhe poético. Era a combinação de falta de acomodação digna com ausência de recursos e nenhum privilégio. Pobres, sim, mas não miseráveis. José tinha um ofício, era tekton, artesão, homem da dignidade silenciosa das mãos calejadas. Pertenciam à fileira dos humildes: gente sem riqueza, sem poder, sem influência, mas com honra, fé e retidão. E foi exatamente ali, no território do quase nada, que Deus revelou o que sustenta o mundo.

Ele não escolheu o poder, escolheu a fragilidade. Não escolheu o trono, escolheu a palha. Não escolheu generais, escolheu um menino indefeso. O Natal nos desarma porque rasga o verniz que tentamos sustentar: a ilusão da força, da autonomia absoluta, da permanência. Mostra que somos finitos, frágeis, passageiros. Os impérios que pareciam eternos desapareceram; os reis que dominavam exércitos foram engolidos pela poeira do tempo. Mas o Menino, pobre, pequeno, perseguido, permanece vivo em cada geração. Deus humilhou os tronos sem erguer a voz. Salvou o mundo sem violência. Venceu o orgulho apenas amando.

Maria carregou o Infinito no corpo. E não era deusa, nem imortal. Era humana. Sentia medo, dor, vergonha, frio, abandono. E mesmo assim, disse sim. Um sim que a levou a fugir no meio da noite. Um sim que a deixou três dias procurando o Filho quase sem respirar. Um sim que a colocou diante da cruz, segurando o próprio Deus agonizando. Um sim que a obrigou a embalar o corpo sem vida daquele que ela acarinhou em Belém. Um sim que a fez esperar diante do túmulo, de coração partido, confiando mesmo sem ver. Maria nos ensina que fé não é ausência de dor; é a coragem silenciosa de não desistir.

José, por sua vez, não era profeta, não era sacerdote, não tinha dons extraordinários. Era carpinteiro. Homem do silêncio, da responsabilidade, daquele tipo raro que prefere obedecer a aparecer. Foi abrigo para Maria, escudo para o Menino, sombra que sustentou a Luz. Partiu sem glórias humanas, sem estátuas, sem discursos. Mas deixou algo que nenhum poderoso deixou: sustentou o próprio Deus com o trabalho das mãos e a obediência do coração e nunca pediu nada em troca.

E aqui há um mistério tão grande que nos ultrapassa: Maria e José eram pobres e nós, tão pobres quanto eles, ainda necessitamos coroar Maria. Somos nós que lhe colocamos um manto de prata, uma coroa de ouro, vestes bordadas. Não porque ela precisasse, ela, que conheceu a palha, o silêncio, o esconderijo. Mas porque nós precisamos. Somos humanos, sensoriais, pequenos, carentes de símbolos, famintos de tocar o Mistério com as mãos. Somos tão pobres de alma que tentamos traduzir a grandeza que não cabe em nós com ouro, com tecido, com brilho. É o jeito que encontramos de dizer: “Tu és maior que nós.” E, ainda assim, ela permanece a mesma mulher de Nazaré, pobre, simples, silenciosa, acolhendo nossa pobreza com o exemplo da coragem de amar sem medida e da pureza de entregar tudo ao Deus que nela habitou.

Jesus poderia ter vindo como rei, cercado de ouro, influência e grandeza humana. Mas escolheu vir pobre. E escolheu a pobreza não como punição, mas como linguagem. Veio pequeno para ensinar que a força verdadeira está em servir. Veio frágil para mostrar que a grandeza se encontra na humildade. Veio sem poder para revelar que a única riqueza que atravessa o túmulo é a que se grava no coração. Nada humano é eterno: nenhum título resiste ao tempo, nenhuma glória se mantém, nenhum império permanece. Somente Ele.

O Natal deveria nos colocar de joelhos. Deveria lembrar que somos pó, que tudo o que carregamos pode se desfazer amanhã, que o orgulho é ridículo diante da morte. O Natal nasce quando o coração se inclina como Maria; quando o espírito sustenta como José; quando a alma aceita ser pequena para que Deus seja grande. O Natal não é barulho, não é espetáculo, não é conquista humana. O Natal é rendição. E aqui deixo uma palavra que precisa ser dita: se a prosperidade que você professa precisa usar o nome de Jesus para justificar luxo, vaidade e ostentação, então a sua prosperidade está equivocada, pois não é dEle. Jesus não nasceu em palácio. Não viveu cercado de privilégios. Ele não pregou riqueza como meta, nem prometeu poder como prêmio. Ele anunciou um Reino que não é deste mundo. Quem usa o nome de Jesus para inflar ego, status ou acúmulo esqueceu completamente o Menino que não tinha sequer onde reclinar a cabeça.

O verdadeiro Natal continua pedindo o mesmo que pediu em Belém: humildade para acolher e coragem para mudar. E no fim de tudo, Deus continua repetindo, como sussurrou naquela noite antiga, como sussurra em cada ano, como sussurra agora ao seu coração: “Deixa-Me nascer dentro de você.”

Rivelino Liberalino

Nota do Autor: Em alguns trechos, faço uso deliberado de recursos estilísticos como “dEele” com “D” maiúsculo ou expressões como “Deixa-Me entrar”, “Deixa-Me nascer dentro de você”, com o “M” maiúsculo. Faço isso por uma razão simples e profunda: marcar a presença do Sagrado na palavra.

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