Artigo do leitor: As amarras do Nordeste

por Carlos Britto // 03 de maio de 2013 às 22:18

Neste artigo, o geólogo Antonio Luna faz uma longa – mas interessante – explanação sobre os períodos de seca no Nordeste e reforça a tese de que a transposição do Rio São Francisco, se implantada tecnicamente correta, será a redenção do homem nordestino que sofre com a falta d’água.

Confiram:

luna irmao de Mª Elena_280x200Diante da mais devastadora seca que assola o Nordeste Brasileiro, sinto-me no dever de não só como nordestino, mas principalmente como técnico que tem vivenciado e participado de ações para implantação de obras de convivência com a seca, de externar através do seu Blog, o meu e que acredito ser de todos, nosso “INCONFORMISMO”, com a mesmice da retórica das diversas esferas de governo, e, em particular do Governo Federal, a quem cabe, em primeira e última instância, adequar políticas de planejamento com ações de curto, médio e longo prazos para que tivéssemos um Nordeste diferenciado e participativo.

– A Seca:

A seca no Nordeste é um fenômeno cíclico, que teve, historicamente o seu primeiro registro após o Descobrimento do Brasil, anotado pelo padre jesuíta Fernão Cardin, referente ao período de 1583-1585. De lá pra cá, após a Independência do Brasil, foram registrados e historiados o seu efeito e consequências de grandes secas, referente aos períodos de 1875-1879; 1903-1905; 1913-1915; 1931-1932; 1944-1946; 1958-1959; 1979-1983; 1998-2000; e finalmente a presente seca que vivenciamos desde 2009 -2013. Como se pode notar, o fenômeno da seca no Nordeste caprichosamente castiga os nordestinos, com ciclos de grandes secas a cada 25/26 anos e intercaladas com menores intensidades a cada 12/13 anos. O governo sabe disso, o sertanejo não.

Convém salientar que como consequências dessas secas devastadoras, particularmente as acontecidas entre 1877 e 1932, cerca de 70 mil pessoas morreram de fome, só no Ceará, na seca de 1877. Entre as ações do Governo para diminuir o flagelo foi criado, naquela época, o “Campo de Concentração Alagadiço” na periferia de Fortaleza, para como o nome sugere, concentrar os flagelados que tinham invadido a capital do estado. Nesse campo as pessoas eram amontoadas num espaço cercado com arame farpado, onde dormiam em barracas improvisadas, praticamente ao relento, recebendo precárias refeições e sem um mínimo de higiene. Em consequência escapavam da fome, mas morriam infectados por doenças. Triste sorte de um povo.

Com a seca de 1913-1915, além de Alagadiço, o Governo do Ceará criou novos campos de concentração, localizados em Quixadá e Juazeiro do Norte. Como política adicional, o Governo tratou de mandar os nordestinos para trabalharem no Ciclo da Borracha na Amazônia, culminando em 1932, mandando-os para as trincheiras da Revolução de 1932, em São Paulo.

Não foi à toa que o livro “O Quinze”, de Raquel de Queiroz, foi baseado no sofrimento por que passou o povo cearense naquela época.

Na seca de 1958-1959, o governo mandou o nordestino para ser candango na construção de Brasília, os quais formaram as favelas que deram origem as cidades satélites de Sobradinho, Gama , Ceilândia e Taguatinga.

Na seca de 1979-1983, o Governo Federal instituiu as Frentes de Emergências, coordenadas pela Sudene e gerenciadas pela Codevasf e DNOCS. Nelas tinham, basicamente como premissa de atuação, a ocupação da mão de obra da população carente na construção e/ou reforma de obras de reservação hídrica, tais como açudes, barreiros e aguadas nas comunidades rurais. Pelo menos essas ações deixaram marcas de trabalho remunerado da população rural e aproveitamento hídrico em benefício da mesma. Não resolveu, tampouco viciou.

Na presente seca, como o nordestino já tem o institucionalizado o programa “Bolsa Família”, máquina de fazer votos, viciar cidadãos, e, criar/fabricar marginais no ceio das famílias, o Governo Federal, inerte e incapaz, fica com firulas de implantar, além das seculares obras de reservação hídrica como barreiros , pequenos açude e poços tubulares, faz inovações com a implantação de cisternas e barragens subterrâneas com o fornecimento até de máquinas retroescavadeiras. É o fim da picada.

Como se vê, o nordestino continua à mercê da sua própria sorte, na dependência de políticas públicas, nefasta cidadania de um povo, que vicia e o discrimina em relação ao resto da nação. Será que o grito de Luiz Gonzaga, através da música “Vozes da Seca”, composta e gravada nos idos de 1952 (“Seu Doutor, uma esmola para um homem que são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão ”) continuará ecoando no deserto, ou se foi com ele para o plano superior, junto ao nosso criador?

O presente período de seca que o nordestino vivencia tem um diferencial muito grande em relação aos outros aqui referidos. Se olharmos os registros do Balanceamento Hídrico do Nordeste referente ao período das grandes secas anteriores, constataremos que as mesmas tiveram as baixas pluviosidades (precipitações) concentradas parcialmente em algumas regiões do Nordeste. Como, por exemplo, os períodos da seca de 1877 e 1915 foram substancialmente mais concentrados no Estado do Ceará. Enquanto que a seca de 1932 castigou mais os Estados de Pernambuco e Paraíba.

Ao passo que esta seca atinge de maneira uniforme todo Semiárido Nordestino, com índice pluviométrico em torno de 20% da precipitação média anual de 600 milímetros. Isso a torna a maior seca já acontecida no Nordeste, desde o Descobrimento do Brasil. Os seus desdobramentos não são mais nefastos para a economia do Nordeste que as outras, em função da infraestrutura física hoje existente na área de transporte, comunicação, saúde, segurança, educação e trabalho. Mesmo, assim a economia rural, baseada principalmente na pecuária, sofrerá efeitos danosos com a diminuição do rebanho em torno de 80%, particularmente o rebanho de bovinos.

A Transposição do Rio São Francisco, que para alguns ‘iluminados’, que não são muitos, será o fim do Rio São Francisco, cuja ideia remonta aos tempos do Império, se reveste de uma importância extraordinária como obra estruturadora de canalização, reservação e distribuição de água de boa qualidade para toda população sertaneja diretamente envolvida pelo projeto.

Essa obra é parte, é o passo inicial que o Governo Federal verdadeiramente deu para a solução de convivência do nordestino com a seca. Para adequação e solução definitiva desse problema explorado secularmente pela casta da política brasileira, independentemente de receituário ideológico, o Nordeste dispõe de uma rede hidrográfica com rios perenes e bacias sedimentares que permitem, caso exploradas de forma integrada com os reservatórios já construídos, canalizar, transportar, armazenar e distribuir água para todos os rincões, beneficiando tanto a população rural como das cidades, povoados e vilas. Exemplo dessas fontes hídricas poder-se-ia citar o Rio São Francisco; Rio Parnaíba e Rio Tocantins; As Bacias Sedimentares do Tucano, Jatobá e Parnaíba.

Para tanto, é necessário que se faça um projeto embasado tecnicamente, onde seja contemplado a interligação das bacias do São Francisco com Tocantins e este com o Parnaíba, já amplamente discutida a sua viabilidade. A partir daí, construir uma malha de canais e adutoras, rasgando o nordeste brasileiro.

Esse projeto não é nenhum devaneio ilusório. Basta que o Governo Federal faça as contas. Se só em 2012 foram gastos com o programa Bolsa Família cerca de 18,32 bilhões de reais, dos quais, 10,9 bilhões de reais no Nordeste brasileiro, e, considerando que esse programa vem desde 2002, perfazendo 11 anos, já foram gastos R$ 109 bilhões de reais em valores atualizados, só no Nordeste.

Considerando que o valor da Transposição do Rio São Francisco, para contemplar cerca de 30% desse universo, custará em termos atualizados, segundo estimativas, cerca 8,5 bilhões de reais, o valor gasto com o Programa Bolsa Família, daria para terem sido implantados no Nordeste 12,8 projetos de transposição. Isso feito, o Nordeste estaria num estágio de desenvolvimento comparável à Califórnia, com uma economia pujante, baseada no trabalho e inserção de um povo sofrido, que em pleno século XXI migalha do Governo Federal “o resto da menor quantia”. Que vivencia um presente igual ao passado, sem sonhos e sem futuro. Que deixa os velhos e adultos com as lembranças do passado e os jovens sem perspectivas de poder sonhar.

Antonio Luna de Alencar/Geólogo formado pela UFPE, com ênfase em Hidrogeologia e cursos de pós-graduação em Engenharia de Barragem e Administração de Projetos

Artigo do leitor: As amarras do Nordeste

  1. alvinho disse:

    MEU VELHO NAO TEM NEM O QUE DIZER VOCE FALO TUDO.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado

  2. Alba Alencar disse:

    Parabéns Dr. Luna, é uma prova de como vc sempre preocupado com opovo sofrido deste nosso nordeste. Sensaci onal vc falou tudo ques nós queriamos que acontecesse e é possivel só depende de vontade política.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado. Não devemos ser omissos.

  3. Wilson disse:

    Também acredito, que o Projeto de Transposição do São Francisco pode ser a redenção para o semiárido, desde que seja usado de forma racional e democrático, atentando paralelamente à sua construção, uma imprescindível revitalização da sua bacia hidrográfica; (criando o eixo sul, para perenizar as bacias dos rios bacias dos rios Vaza Barris e Itapicuru no Estado da Bahia. Quanto a dizer que o Bolsa Família, é “, máquina de fazer votos, viciar cidadãos, e, criar/fabricar marginais no ceio[sic] das famílias…”, aí eu discordo. Programas de transferência de renda como o Bolsa Família, tem suas condicionalidades (e é importante não ignorá-las), já foram implantados em vários países com sucesso, e até nos Estados Unidos, na cidade de Nova Iorque, também tem sua versão, o Opportunity NYC.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado pelo comentário. Contudo devo esclarecer, que qdo afirmo sobre o carater maléfalo do B. Família, quero dizer do seu tempo com caráter empregatício institucionalizado e aumentado.

  4. Luiz Carlos disse:

    Parabéns pelo artigo, principalmente pela definição dada ao programa:
    “BOLSA FAMÍLIA” MÁQUINA DE FAZER VOTOS,VICIAR CIDADÃOS, E CRIAR/FABRICAR MARGINAIS NO CEIO DAS FAMÍLIAS”.
    Bem como, concordo com a solução proposta: ” Para tanto, é necessário que se faça um projeto embasado tecnicamente, onde seja contemplado a interligação das bacias do São Francisco com Tocantins e este com o Parnaíba, já amplamente discutida a sua viabilidade. A partir daí, construir uma malha de canais e adutoras, rasgando o nordeste brasileiro”.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Muito obrigado pelo comentário

  5. Marivaldo disse:

    Bom artigo, boas idéias! Mas critico sobre o Bolsa Família e pergunto se você tivesse um mercadinho no interior, ou fosse um funcionário desse comércio ou também um dependente dessa ação social não teria esse pensamento egoísta sobre o mesmo!

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado pelo seu comentário. A minha crítica ao B. Familia e programas afins de transferência de RENDA, se dá em função do seu caráter vitalicio imprimido ao programa. Marivaldo voce acha correto que o Governo Federal tenha 25 milhões de famílias, já há mais de 10 anos, vivendo as custas dos que trabalham. Dos nossos impostos? Ofereça um trabalho a uma dessas pessoas. Em cem não encontrarás 10 que queiram trabalhar

  6. Lorena disse:

    Nunca tinha olhado para a Transposição do Rio São Francisco por essa ótica… Talvez estejamos tão calejados pela corrupção que grandes obras, quando olhadas por mim, serve apenas como ponte para levar dinheiro para os políticos e grandes empresas… Parabéns por compartilhar tão vasto conhecimento da NOSSA história, e atestar que é possível sim sair da zona marginalizada que o NE se encontra, só falta como em tudo na vida, vontade, de quem tem o controle da direção… Cabe a nós meros passageiros cobrar a mudança da rota!!.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Muito obrigado

  7. maria josefa disse:

    Concordo em tudo e parabenizo o Dr. Luna por explicar o que as pessoas precisam saber. E quem dera, os políticos olhassem com esses olhos e tivessem a decência de resolver o problema. Quanto ao bolsa família, é tudo isso e mais alguma coisa. Tá viciando o povo a não querer trabalhar e esperar a esmola do governo, tornando-se assim, um povo sem dignidade.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Muito obrigado

  8. Nilo Manoel de Sá disse:

    Excelente artigo. Essa é a visão correta de como deve ser as ações.
    Parabens.

    1. antonio luna de alencar disse:

      Agradeço muito o seu comentário

  9. Ailton disse:

    Ótimo texto, só não acredito que a solução do Nordeste está na transposição, porque regiões bem mais proximas ao rio s fco, continuam com sede de irrigação, é o caso de Afrânio, Dormentes, Santa Filomena, Santa Cruz, essa região não existe nos planos de irrigação dos governos federal e estadual.
    Parabéns Dr Luna, pena que os politicos tem essa sensibilidade para com o povo da Caatinga, que sofrem com a falta de vontade deles.

  10. ANTONIO disse:

    QUEM RECEBE FINACIAMENTO PARA GERAR EMPREGOS E ABRE FALENCIA DANDO CALOTE AOS EMPREGADOS E AOS COFRES DA UNIÃO?
    BOLSA FAMILIA É UM ALIVIO PARA QUEM PRECISA, VOCE É AUTO SUFICIENTE NÃO PRECISA, SUA CRITICA DEVERIA SER PARA QUEM NUNCA FEZ TANTO PARA COM OS POBRES
    ESPERO QUE VOCÊ TRAGA OUTRA MATERIA PARA A SOLUÇÃO DA MISÉRIA NO MUNDO,

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado pela crítica. Não tenho a presunção de ter a receita para a miséria do mundo. Pois os homens são desigualmente desiguais. Que tal se todos nós ao nascermos vinhessemos com o DNA do trabalho. Se não houvesse os desajustes familiares.Se os Governos, no mundo, empregassem os recursos em função das necessidades básicas da população? E por fim , se cada um de nós, fosse + solidário?

  11. Fabiana disse:

    Parabéns Luna, ótima reportagem…

    1. antonio luna de alencar disse:

      Obrigado pelo elogio. Por fim obrigado à todos

  12. Francisco de Assis Benicio Coelho disse:

    CARO LUNA
    Concordo em genero, número e graú com os fatos relatados a cerca das secas no semi-arido Nordestino. Me permita discordar um pouco quando Voce escreve que “Os seus desdobramentos não são mais nefastos para a economia do Nordeste que as outras, em função da infraestrutura física hoje existente na área de transporte, comunicação, saúde, segurança, educação e trabalho. Mesmo, assim a economia rural, baseada principalmente na pecuária, sofrerá efeitos danosos com a diminuição do rebanho em torno de 80%, particularmente o rebanho de bovinos” e coloca que a grande diferença entre esta seca e as demais é que não houve mortes por fone do animal HOMEM, porem, o setor produtivo, o agronegocio, que vinha crescendo em ritmo acelerado e criando condições para libertar o nordestino das amaarras dos politicoos, foi totalmente dizimado, atingindo os nordestinos, principalmente do setor rural, matando o nordestino produtivo, rebaixando para a condição de miseravel, exatamente, para aquela situação de assitencialista que o governo atual necesssita para se manter no poder. Meu caro Luna, parabenizo, pelo artigo e acrescento que o Governo federal vai distribuir 5 bilhões em retroescavadeiras, tratores de esteiras, caçambas, motoniveladoras e outros equipamentos para os prefeitos, vereadores e politicos em geral, visando a compra de votos para a proxima eleição, com o argumento de ações para combate a seca, é triste mas é verdade, aguenta mais esta meu VEI. Abraços ASSIS.DER.

  13. Victor hugo disse:

    ótimo artigo parabéns!!!

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