Artigo do leitor: “A Polícia Científica no combate à banalização do mal”

por Carlos Britto // 14 de julho de 2023 às 09:59

Foto: divulgação

Neste artigo, o perito criminal aposentando Cleomácio Miguel da Silva destaca o papel crucial da Polícia Científica, e menciona o caso do perito criminal Gilmário dos Anjos, da Polícia Científica de Pernambuco, o qual foi inocentado da acusação de ter recebido uma quantia milionária para fraudar o Laudo Técnico Pericial sobre o assassinato da menina Beatriz Mota, ocorrido em 2015 em Petrolina.

Confiram o artigo:

Começarei a minha erística com base no pensamento arendtiano sobre a banalização do mal, buscando sempre interações entre a filosofia, política, história, sociologia e direito. O principal veio analístico baseou-se no livro “Eichmann em Jerusalém” de Hannah Arendt. Da reflexão filosófica de Arendt sobre o julgamento de Eichmann, um carrasco nazista da Segunda Guerra Mundial, em Jerusalém, resultou na expressão “banalidade do mal”, ameaça maior às sociedades democráticas.

Tomando como base os conceitos estabelecidos por Arendt, quando um indivíduo abandona sua base casuística da prática do bem (seus valores morais) e adapta-se a um sistema moralmente pervertido, ele passa a incorporar o mal como rotina de vida, tornando-o comum, normal e banal. Chamo este processo de institucionalização da maldade. É a maldade aceita sem nenhum “filtro” (se é que possa existir algum!), questionamento moral ou “dor na consciência”.

Segundo Aristóteles, o ser incorporado dentro desse processo é o homem pervertido, insaciável e sem qualquer percepção da sua cupidez e culpabilidade. Ou seja, a banalidade do mal é um mal que virou comum de ser praticado e tornou-se rotina. Na sociedade moderna, este mal permeia os mais recônditos lugares, sendo observado claramente nas mais variadas atividades humanas. Atualmente, em relação ao Brasil, ver-se a banalidade do mal entranhada descaradamente na política e na religião.

No Brasil, devido ao elevado grau de imoralidade nos três poderes, as instituições públicas têm perdido vertiginosamente a credibilidade junto à população. E isso não é diferente com as instituições de segurança pública. Em decorrência do passado de repressão, a ideia que permeia, geralmente, a mente da grande maioria da população brasileira, é de que o termo “Polícia” está atrelado sempre à truculência e violência. Dificilmente um brasileiro médio do senso comum entenderá o significado do termo “Polícia”, principalmente quando se refere à “Polícia Científica”.  

Gosto de dizer sempre que a Polícia Científica é a guardiã dos métodos científicos, sem ela não existe a Metapolícia. Eu inventei esse termo, e o defino como a descrição das práticas morais do ser e fazer polícia, visando austeramente ao bem da sociedade. Logicamente que é preciso um estudo mais profundo sobre essa temática. Não tenho espaço aqui para apresentar pormenores.

Mesmo que não esteja citada no rol do sistema de segurança pública da Carta Magna brasileira, a Polícia Científica é a única que pode fornecer provas técnicas robustas para combater a banalização do mal tão corrente em nossa sociedade atual. Daí, a necessidade suprema da Polícia Científica ser uma instituição severamente austera e punir com extremo rigor qualquer desvio de conduta daqueles que a compõe. Em nenhuma hipótese, a Polícia Científica deve instituir ou permitir quaisquer resquícios de banalização do mal. É função profícua da Polícia Científica combater arduamente a banalização do mal e, em hipótese alguma, se deixar corromper por ela.

Entre os meses de junho e julho de 2023, a mídia pernambucana noticiou que o perito criminal Gilmário dos Anjos, da Polícia Científica de Pernambuco, havia recebido quantia milionária para fraudar o Laudo Técnico Pericial do complicado caso da menina Beatriz Mota, que foi assassinada na cidade de Petrolina. Finalmente a justiça constatou que tudo não passou de falsas acusações. Acredito que o objetivo era, além de atingir moralmente o referido perito, desmerecer o excelente trabalho que a Polícia Científica de Pernambuco realizou no caso. Ou seja, desmerecer a Polícia Científica de Pernambuco, e com exclusividade, a Perícia Criminal.

A própria Polícia Científica foi alvo daquilo que ela deve combater ferozmente: a banalização do mal. Pergunto então: a quem cabe o interesse de ver a Polícia Científica Brasileira desmoralizada? Ora, num meio institucionalizado pela banalidade do mal, ter uma Polícia Científica austera como guardiã da sociedade no combate contra o mal é uma verdadeira afronta ao sistema miseravelmente corrompido.   

Para escapar de qualquer tentativa de fluidez da banalização do mal, e não ser atingida por ela, a Polícia Científica do Brasil deve tornar-se um Corpus Hermeticum. Para tanto, existe a necessidade de inclusão das polícias científicas no rol dos órgãos de segurança pública na Carta Magna brasileira. Para que isto aconteça, a PEC n° 76, de 2019 deve ser urgentemente aprovada.

Cleomácio Miguel da Silva/Perito Criminal aposentado

Artigo do leitor: “A Polícia Científica no combate à banalização do mal”

  1. Ivan Câmara disse:

    Parabéns pelo pelo artigo, grato à redação do Blog por conceder esse espaço ao Perito Criminal Dr. Cleomacio.

  2. José Nemézio de Sena disse:

    A integridade moral dos componentes da Polícia Ciantífica é algo que assusta e preocupa os corruptos!

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