Artigo: A “Avenida Brasil” e os flagelados da seca

por Carlos Britto // 24 de outubro de 2012 às 19:00

Em tempos de “Avenida Brasil”, o professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nosso colaborador assíduo, tem uma tese interessante para resolver de uma vez por todas o flagelo da seca no Nordeste brasileiro.

Confiram:

É reconhecida não só no País a qualidade das telenovelas brasileiras, que têm grande aceitação em várias partes do mundo como produto de entretenimento.

A novela “Avenida Brasil”, que teve em seus últimos capítulos um recorde de público (em torno de 80 milhões de pessoas), foi recentemente a grande sensação nacional. Estima-se que de cada 3 televisores ligados, 2 estavam sintonizados na novela. Nos dias que antecederam o término do folhetim, o assunto da grande mídia foi a abordagem diária com relação ao destino dos personagens. O horário de exibição das 21 às 22 horas era sagrado, e tudo parou no País. O mais importante era saber quem matou Max? O que acontecerá com Carminha? E Tufão? Obviamente este interesse maciço da população trouxe enormes benefícios financeiros para a rede de televisão que transmitiu a novela. Fala-se que ao longo dos meses de apresentação dos capítulos (março a outubro), mais de 1 bilhão de reais foram arrecadados com os anúncios feitos no horário nobre.

Mas o que tem haver este interesse midiático pela telenovela com a seca no Nordeste brasileiro, que é noticiada desde os tempos do Império e que traz tantas desgraças aos brasileiros e brasileiras da região?

A atual seca que atinge pouco mais de 15% do território brasileiro não é comum, é a pior no Nordeste das últimas três décadas. De acordo com especialistas, é mais intensa e acontece de 30 em 30 anos, em média. Assim como a seca deste ano, outras também marcaram a história do povo nordestino. As mais famosas foram as de 1983/84, 1935 e 1887, que provocaram a morte de quase 500 mil nordestinos. Segundo números do Ministério da Integração Nacional, 525 municípios da região estão em situação de emergência, e outros 221 sofrem efeitos da estiagem e aguardam avaliação da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Todavia a seca se repete ano a ano e tem causa natural. Daí não se pode combatê-la, e sim conviver com ela. A carência de chuvas é típica de regiões semiáridas, e tem se intensificado pelos danos ambientais e a total desproteção do rio São Francisco e de sua nascente, além do descontrole no uso da água na irrigação. São outras partes dessa equação desastrosa que trazem tanto sofrimento e morte para as populações mais pobres.

A indústria da seca e o coronelismo ainda resistem à custa de tantas vidas perdidas. Sob novos nomes e novos programas, o que vemos é a continuação de um processo histórico com a perpetuação do sofrimento e da miséria a favor do lucro de alguns.

Em particular, neste contexto, vejamos o caso de Pernambuco. O Estado, que tem se destacado pelos elevados índices de crescimento econômico e pela propaganda exacerbada, mostrando uma administração estadual moderna, com uma gestão eficiente e diferenciada de seus governantes, esconde a incompetência e a falta de interesse e compromisso político para dar início ao fim do flagelo que atinge hoje 121 municípios (dos 185 existentes) que estão em situação de emergência. Segundo a assessoria de Comunicação Social da Casa Militar, existem 1.184.824 pernambucanos e pernambucanas (população total próxima a 8 milhões) afetadas pela estiagem. Dos 121 municípios atingidos, 59 são do Agreste, 56 do Sertão e 6 da Zona da Mata.

As medidas tomadas pelo governo federal são as mesmas de outros anos: liberação de recursos (anunciou a liberação de 2,7 bilhões de reais pelo Ministério de Integração Nacional, que nunca chega ao destino final), distribuição de cestas básicas, carros pipas, etc, etc,… Quanto ao governo estadual foram anunciadas medidas paliativas, populistas, verdadeiras “esmolas” comparadas aos investimentos públicos e privados de mais de 50 bilhões de reais que estão sendo investidos no Complexo de Suape. Infelizmente estes anúncios oficiais são insuficientes, pois faltam medidas de caráter definitivo. São “oportunistas” e contam com o apoio de lideranças de agricultores e representantes de organizações da sociedade civil cooptados, que se calam frente à tragédia recorrente, tornando verdadeiros cúmplices do massacre destas populações invisíveis aos olhos da sociedade.

Mas o que tem haver a telenovela com a seca? Bem, a meu ver é a mobilização social em torno de um tema que diz respeito à vida real das pessoas que poderá apontar na direção da solução deste problema secular. Na telenovela, como visto na semana passada, houve uma incrível mobilização das pessoas, reunindo-se em família, entre amigos, em bares, restaurantes para assistirem pela “telinha” o destino dos personagens do drama fictício. Mas por que não mobilizar para acabar em definitivo com este drama da vida real? Não somente doando alimentos, e roupas, que muitas vezes não chegam aos que necessitam, mas pressionando diretamente os governantes, os políticos? Discutindo, estimulando o debate sobre o drama da seca, nas rádios, televisões, blogs, jornais, nas entidades de classe, pelos artistas, jogadores de futebol, pelo povo. Uma certeza que existe é que, para acabar definitivamente com o flagelo da seca, só depende da mobilização popular.

Heitor Scalambrini Costa/Professor (UFPE)

Artigo: A “Avenida Brasil” e os flagelados da seca

  1. Josy disse:

    Bastante oportuna a reflexão do professor.
    Parabéns Brito, por abrir espaço para esse tipo discussão.

    Eu diria que esse fenômeno do Brasil ser “parado” por uma telenovela, é preocupante e até perigoso.

    Não me orgulho de ter um país que só sabe fazer novela, me orgulharia se tivesse os maiores índices de leitura do mundo, por exemplo.

    Muito preocupante esta constatação,infelizmente!

  2. Tabosa disse:

    Enquanto isto o governo de Pernambuco ao em vés de esta resolvendo o problema da falta de água e o milho da CONAB que produtores ficam mendingando para COMPRA, ele esta distribuindo mais um cartão de esmola um tal chapeu de palha estiagem 5×80 R$ 400,00 (Seu governador uma esmola ao um homem que é são ou me mata de vergonha ou vicia o cidadão)

  3. Shalia disse:

    Como seria bom, se que as pessoas deixassem de viver os fatos fictícios apresentados por de novelas que tem como finalidade manipular a mente humana condicionando aos seus próprios interesses… como seria diferente se realmene as pessoas abrissem os olhos para realidade da vida,mas eu acredito esses flagelados da seca não poderão ficar a mercer de doações, pois acho quem deveria ter um cuidado maio para resolver essa problemática são governantes que infelizmente não estão nem um pouco preocupados, pois gastam rios de dinheiro com festas, campanha politica,etc… e por fim nenhum deles se mobilizam com projetos, com ações sociais, para que esse sofrimentoo que se estendem a “séculos” acredita possa ser resolvido de uma vez por toda!!!!!!!!

  4. Kekacavalcanti disse:

    Pura realidade, ninguém aguenta mais tanta conversa enganando pessoas em época de eleição e depois continua tudo do mesmo jeito sem providência nenhuma, isto é o que vemos são pessoas inescrupulosas querendo fazer parte desse meio político a todo custo e que tudo faz para se manter no poder. Luta por interesse pessoal e não pelo interesse coletivo porque se acabar com a indústria da seca as pessoas ficarão independentes.

  5. Ju disse:

    O pior que quando o dinheiro vem como o caso de Petrolina o prefeito dar um “jeitinho” de fazer uma mega produção de festa para ganhar as eleições! O povo tem o que merece!

  6. Ronaldo disse:

    Estes problemas para acabar em nosso pais é muito conplicado, depende mesmo da mobilização da sociedade, mas também da vontade politica, politicos hoje não trabalham por equeles que colocam eles no poder, pelo comtrario trabalham em benefio de se proprio, para ser mais “bem visto”, so cuidam de faser oposições politicas muitas veses diexando de aprovar um progeto em beneficio do povo simplismente por que o mesmo é de altoria da oposição e, simplismente não percebem que o mair prejudicado com isso é aquele que lhe colocou no poder e não o seu adversário politico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Últimos Comentários