O Vale dos heróis da resistência

por Carlos Britto // 03 de junho de 2010 às 13:53

vale-do-sao-francisco2Sob a ótica do desenvolvimento econômico, o Submédio São Francisco é uma região de contrastes. De um lado ostenta 120 mil hectares irrigados que produzem 1 milhão de toneladas de frutas, com destaque para uva e manga, além de goiaba, coco verde, melão, melancia, acerola, maracujá, banana, cebola, dentre outras culturas.

Desse montante, 23 mil hectares são dedicados ao cultivo da manga e 12 mil, à uva. Em dados aproximados, o Vale gera um faturamento de 1,3 bilhão de dólares, sendo, só exportação de uva e manga, 300 milhões de dólares, constituindo assim, o título de principal região exportadora destas frutas no Brasil. Em média, 50% dos custos da safra referem-se à mão de obra, representando um dos maiores absorvedores de trabalhadores por hectare do País.

Numa projeção conservadora de dois trabalhadores por hectare, a agricultura do Vale gera emprego direto para mais de 240 mil pessoas. Contabilizando cinco pessoas por família, são 1,2 milhões de pessoas vivendo diretamente da fruticultura no Submédio São Francisco. Do ponto de vista de tecnologia de produção, é um dos celeiros mundiais.

Por outro lado, este oásis de prosperidade em pleno Sertão, vive à margem das ações governamentais, principalmente, das estruturadoras, da atenção do sistema financeiro nacional e mesmo passa despercebido pela maioria da classe política. Não há implementação do seguro safra, por exemplo, o que obriga o produtor a assumir sozinho riscos como as variações climáticas, que provocam chuvas fora de época e compromete diretamente a produção.

Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) um planejamento de safra bem executado pode garantir ao produtor 80% de chances de evitar perdas pelo risco climático. Isto representa que, na melhor hipótese, sem o seguro safra, o produtor assume sozinho, em média, duas safras ruins a cada dez.

Os custos são inflados pelos lobbies multinacionais.

Ainda prevalece, no Brasil, a absurda proibição de registro dos defensivos pelo seu princípio ativo, privilegiando as marcas. Ou seja, podemos oferecer a população brasileira os remédios genéricos para consumo humano e não podemos adquirir genéricos para aplicação nas plantas, como fazem os nossos concorrentes diretos mundo afora. Esta boa ação com a agricultura brasileira depende apenas da decisão do Governo Federal, que nos parece, neste caso, vergado pelo peso da pata de elefante dos laboratórios.

Não há plano de safra para a fruticultura. Essa ausência, dentre outras distorções, causa um conflituoso descompasso entre a demanda por crédito sadio e a sua oferta.

Entenda-se por crédito sadio as linhas próprias de financiamento da agricultura, como custeio agrícola,  Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC), Adiantamento de Contrato de Exportação (ACE), recursos do FNE/BNB, etc.

O crédito comercial substitui, com desvantagem, o crédito adequado e escasso. A situação do câmbio, que faz a festa das importações, é extremamente prejudicial aos exportadores. O Vale é exportador por definição. Conduz sua safra para atender a janela de exportação do segundo semestre onde, praticamente, entra sozinho na oferta de uva no mundo.

O dólar médio de 2003, utilizado nos estudos das safras, foi de R$ 3,07. No ano passado, esse valor chegou a R$ 1,73, ou seja, o mesmo quilo da uva que o produtor recebia R$ 3,07  por dólar vendido em 2003 recebeu em 2009 R$ 1,73. O empresário que projetar esta conta no seu negócio verá o tamanho do desafio que o exportador brasileiro enfrenta.

Diante desse cenário, o produtor vem navegando praticamente sozinho. O Vale existe hoje como realidade pujante e presente na vida do Nordeste e do Brasil, graças ao esforço e capacidade dos empresários da região.

Quem vive a riqueza e o dinamismo do Vale do São Francisco e vivencia esta realidade, não estranha o título deste artigo e deve concordar comigo.

Os empresários do Vale do São Francisco que mantêm a região viva e progressista, neste cenário, são no mais puro exemplo sertanejo, heróis da resistência.

Márcio Borba/Folha de Pernambuco

Foto ilustrativa

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