Artigo do leitor: “Uma denúncia corajosa”

por Carlos Britto // 03 de novembro de 2017 às 13:34

Neste artigo, o escritor e cronista de Salvador (BA), Juarez Cruz, afirma que o ministro da Justiça Torquato Jardim não disse mais do que a verdade, sobre o fato de que há políticos e comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio de Janeiro. E afirma que essa realidade só mudará a partir da conscientização do povo carioca na hora em que for escolher seus representantes.

Confiram:

No dia 31 de outubro o ministro da Justiça, Torquato Jardim, fez uma denúncia corajosa e pertinente quando disse que o governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Roberto Sá, não controlam a Polícia Militar. E disse mais: que o comando da PM no Rio de Janeiro decorre de “acerto com deputado estadual e o crime organizado”, e que “comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio”.

Torquato fez o que nenhum dos seus antecessores fizeram; fez o que nenhum secretário de Segurança Pública de Rio teve a coragem de fazer, ou por omissão, ou por conivência, ou porque teve ou tem envolvimento direto com as ações do crime organizado, e daí a falta de interesse em combater com efetividade uma organização criminosa que lhes dá algum resultado econômico ou político no Estado. São por estas e outras que o Rio esta tomado há décadas pela criminalidade e ninguém tem interesse em extirpar este mal que controla as atividades do narcotráfico nas favelas, deixando a população à mercê dos criminosos e milicianos que intimidam e disseminam o terror, tornando-os refém destes bandidos.

O ministro está convencido que o assassinato do tenente-coronel Luiz Gustavo Tavares, que comandava o 3º Batalhão da PM, do Méier, não foi resultado de um assalto, e que se tratou de um acerto de contas. “Ninguém assalta dando dezenas de tiros em cima de um coronel à paisana, num carro descaracterizado”.

Esta denúncia parece ser uma verdade que incomoda o governador, militares, secretário de Segurança e políticos do Rio.  É uma verdade que estava exposta e ninguém tinha coragem de falar. A violência virou uma coisa normal, aceitável e institucionalizada. O crime organizado se profissionalizou, tornou-se parte da atividade econômica e da vida do povo do Rio de Janeiro, ante o olhar complacente do governo, que finge não ver suas ramificações em algumas instituições públicas do Estado.

Não é preciso ser nenhum especialista em segurança pública para saber que é inadmissível aceitar como grupos de criminosos tomem de assalto uma cidade do porte do Rio, controlando bairros, morros, ruas, vielas e o comércio, e toda esta ação fique parecendo uma situação normal, como se o domínio exercido por estes criminosos (traficantes e milicianos) não existisse e todos aceitando passivamente esta violência contra o povo carioca.

Não se pode conceber um domínio de tal magnitude sem o envolvimento de parte dos agentes públicos do Estado: militares, políticos e a conivência dos governos municipal e estadual. Uma organização criminosa não mantém um domínio como o que mantém no Rio de Janeiro, se não tiver a ajuda externa; se não tiver envolvimento de atores do governo que têm interesses nas áreas ocupadas. Sem este conjunto de agentes públicos apoiando direta ou indiretamente estes criminosos, eles não dominariam e se fortaleceriam como organização criminosa durante tanto tempo, do jeito como o fazem no Rio.

O coronel Luiz Gustavo fazia parte da banda boa da polícia e deveria ser uma pedra no sapato dos criminosos. Por isso ele foi executado, assim como são assassinados alguns policiais no exercício da profissão ou em suas folgas.

O governador, secretário de Segurança, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Dep. Picianni e até o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e outros menos cotados, ao invés de estarem pedindo explicações ao ministro Torquato, como se ele estivesse dizendo alguma bravata, deveriam estar abraçando a causa para desmobilizar a estrutura criminosa que foi montada no Rio há décadas. Esta deveria ser a conduta certa a ser feita, e não procurar explicações do ministro, fingindo que não sabem como funciona o esquema criminoso e que tudo não passa de uma falácia.

Estes senhores notáveis e intocáveis que integram os poderes do Estado, que questionam o ministro Torquato, deveriam perguntar às famílias dos moradores das favelas e às famílias dos policiais mortos nesta guerra insana travada todos os dias no Rio de Janeiro como elas se sentem com a morte de seus entes queridos, e o que elas acham da denúncia do ministro. Com certeza elas estarão de acordo com o ministro.

Como o ministro disse, isso pode mudar em 2018. Mas ele se esqueceu de dizer que esta mudança está nas mãos do povo do Rio de Janeiro, que é quem pode efetivamente fazer as mudanças. Com a palavra da mudança, o povo carioca.

Juarez Cruz/Escritor e cronista – Salvador (BA)

Artigo do leitor: “Uma denúncia corajosa”

  1. Cego às avessas disse:

    Besta de quem acredita que dando maior poder para o estado e seus agentes seria a solução para o tráfico de drogas, quando eles próprios fazem parte do negócio. Só existe uma solução para o problema das drogas: descriminalização. O resto é enxugar gelo e provocar sofrimento das pessoas. A mão invisível do mercado resolve tudo, já a mão do estado além de não resolver nada, ainda provoca dor nas pessoas.

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