Um craque chamado ‘Caboclinho’

por Carlos Britto // 21 de janeiro de 2012 às 21:32

O desporto de Juazeiro perdeu um grande nome esta semana. A morte de Bartolomeu Brito Monteiro, ou simplesmente ‘Caboclinho’, levou a prefeitura a decretar três dias de luto na cidade, mostrando o que ele representou para o futebol local.

Por essas coisas do destino, na reabertura do Estádio Adauto Moraes, sábado passado (14), Caboclinho foi um dos homenageados pela prefeitura, ao colocar seus pés na ‘Calçada da Fama’, criada para eternizar os grandes craques do futebol juazeirense.

Os pés de Caboclinho ficarão para sempre no estádio, assim como seus lances geniais jamais serão esquecidos por quem o viu jogar. Para quem não teve essa chance, o jornalista Will Carvalho envia ao Blog um trecho do seu livro, “Onze – O melhor do futebol juazeirense”, que narra a trajetória de Caboclinho. Boa leitura:

(…) Apesar de Juazeiro ter alguns campinhos de terra à época, o preferido da gurizada era o da ponta do rio. No longo caminho até lá a bola era “confeccionada” com lã de seda. Essa pelota era conhecida como “bola de pipoco”, pois estourava em pouco tempo. Mas o que fazia esse campinho ser o preferido dos meninos era o pós-jogo.

“Quando acabava o baba, nós íamos a uns pocinhos que ficavam ali perto do rio. A gente agitava bastante a água, e logo os peixes subiam. Era subir e a gente pescar. Voltávamos para casa com uma bola embaixo de um braço e um espeto cheio de peixe embaixo do outro”, conta Caboclinho, que na infância era chamado de “nego véio”. “Era chamado assim, mas não gostava não”, se diverte. Em 1941, ninguém jamais tornaria a chamá-lo pelo apelido que tanto o perturbava.

Naquela época havia diversas casas feitas de palha espalhadas por toda a cidade, inclusive na rua Perpétua. Esses casebres eram um dos lugares preferidos de Bartolomeu. Certa vez, quando o menino brincava em uma dessas casas, um grupo de amigos foi chamá-lo para jogar na ponta do rio, mas ele estava tão empolgado que recusou o convite. Esse foi o sinal para que todos começassem a caçoar do garoto com um novo apelido: Caboclinho. “Eu tinha o cabelo grande e, no início do século passado, existiam índios aqui na Ilha do Fogo. Eles vinham pra cá, ficavam em casas de palha. Nunca mais pararam de me chamar assim, mas era muito divertido”. (…)

“Naquele dia tudo deu certo. O jogo já estava 4 a 0 para nós. Eu peguei a bola, driblei um zagueiro e toquei para Arthur Lima, ele devolveu. Eu passei para Dózinho, ele devolveu. Eu corri, driblei um lateral e fui em direção à grande área. Tinha um zagueiro correndo desesperado atrás de mim. Eu até hoje não sei como, mas dei um toque de calcanhar e ela passou por cima desse zagueiro e caiu no peito de Arthur Lima. Ele ajeitou e chutou antes que a bola caísse no chão. Foi um gol espetacular. Lindo como eu nunca vi”, relembra Caboclinho.

Para encerrar a goleada, mais uma vez o Pérola Negra narra emocionado o lance do último gol daquela partida. “Teve uma falta e eu era quem ia cobrar. Aí eu chamei Dózinho e disse: ‘Dózinho, vá para o ‘L’ da pequena área, eu vou colocar a bola na sua cabeça’. Foi dito e feito. Parecia que eu tinha colocado a bola com a mão, ela foi exatamente na cabeça dele. A gente venceu aquele jogo por 6 a 0. Saímos do estádio carregados pela torcida adversária, foi uma tarde linda”, lembra Caboclinho, enquanto cobre o rosto com as mãos tentando esconder as lágrimas.

(…)Um time pode conquistar grandes resultados sendo “apenas” bem organizado,tendo jogadores dispostos e disciplinados taticamente. Com uma defesa bem postada, um meio campo entrosado e atacantes que saibam fazer gols, pode até conquistar títulos importantes. Mas um time de futebol só entra para história, só encanta, só vira sonho quando tem a seu favor um autêntico artista, um camisa 10.

Nesse caso, assim como no livro “Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro”, do jornalista Paulo Barreto, publicado pela Editora Contexto, camisa 10 trata-se de uma posição, uma função em campo, e não apenas um número às costas.

Com classe e sobriedade ele se torna a alma do time. Jogando com elegância e cabeça erguida, ele organiza a equipe, dá segurança, distribui jogadas, além de chegar à frente, marcando gols. Ele dita o ritmo do jogo, é um maestro. Ninguém entende o porquê, mas só em vê-lo se movimentar em campo nasce uma certeza: ele sabe o que está fazendo. Trata-se de um artista desfilando composições, sonetos e poesias sobre o gramado.

Ele é craque. Como definiu Armando Nogueira, um dos maiores “camisas 10” da crônica esportiva brasileira: “o bom jogador vê a jogada, o craque antevê”. É exatamente isso o que o dono dessa camisa fez. Antes mesmo que a bola chegasse aos seus pés ele já sabia o que iria fazer…

Um passe preciso, um lançamento inesperado, uma bola entre as pernas para deixar o marcador desnorteado ou simplesmente (pois vê-lo fazer dá a impressão de ser tão simples) um toque de calcanhar por cima do zagueiro para deixar um companheiro na cara do gol.

O peso de fazer a função de jogadores como Pelé, Maradona, Zico e Zidane pode ser demais para muitos, assusta. Não foi assim para o nosso grande camisa 10 juazeirense, a pérola negra do futebol dessa cidade, como foi apelidado por Hebert Mouze e Augusto Moraes. Esse é Bartolomeu Brito Monteiro, ou simplesmente Caboclinho, que na voz de Mouze, “foi dono de uma das canhotas mais habilidosas que eu já vi em 50 anos de jornalismo”.

Caboclinho foi o camisa 10 de muitos times: Olaria, Madureira, Flamenguinho, Guarani, Veneza, América, Guanabara, Vila Nova, além de ter jogado em Minas e no Ceará. E decreta: “nunca joguei com outra camisa que não fosse a 10”. (…)

Will Carvalho/Jornalista

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