O deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE) fez uma leitura para lá de realista sobre a reforma do Código Florestal, que teve ontem (12) mais um impasse na Câmara.
“Ainda está muito longe dos congressistas se entenderem para reformar o nosso velho Código Florestal. Governistas e oposicionistas entendem que as propostas dos ambientalistas são as mais justas para o futuro do planeta, mas não as inserem na nova lei, por entender que é na terra que está o sustento da nação e do seu povo”, pondera.
Segundo o socialista, essas divergências inviabilizaram a votação do projeto na semana passada e também ontem.
“Não adiantam as ameaças da tropa palaciana. Deputados governistas ligados às diversas categorias interessadas no assunto apresentaram uma enxurrada de emendas de toda espécie que vão dar muito trabalho na sistematização final do relatório. Essas emendas já estão nas mãos do relator da proposta, deputado Aldo Rebelo, que, com muita coerência não abre mão de que propriedades com até quatro módulos fiscais devam ficar desobrigadas de recompor a reserva legal. Os ambientalistas, com o apoio do governo, discordam desse ponto e ameaçam inviabilizar a proposta”, explica o parlamentar.




A propósito é interessante ler o texto de Leonardo Boff
Lamento profundamente que a discussão do Código Florestal foi colocada preferentemente num contexto econômico, de produção de commodities e de mero crescimento econômico.
Isso mostra a cegueira que tomou conta da maioria dos parlamentares e também de setores importantes do Governo. Não tomam em devida conta as mudanças ocorridas no sistema-Terra e no sistema-Vida que levaram ao aquecimento global.
Este é apenas um nome que encobre práticas de devastação de florestas no mundo inteiro e no Brasil, envenenamento dos solos, poluição crescente da atmosfera, diminuição drástica da biodiversidade, aumento acelerado da desertificação e, o que é mais dramático, a escassez progressiva de água potável que atualmente já tem produzido 60 milhões de exilados.
Aquecimento global significa ainda a ocorrência cada vez mais frequente de eventos extremos, que estamos assistindo no mundo inteiro e mesmo em nosso pais, com enchentes devastadoras de um lado, estiagens prolongadas de outro e vendavais nunca havidos no Sul do Brasil que produzem grandes prejuízos em casas e plantações destruídas.
Só cegos e estupidificados pela ganância do lucro não vêem as conexões causais entre todos estes fenômenos.
A Terra está doente. A humanidade sofredora de 860 milhões passou, por causa da crise econômico-financeira dos países opulentos, onde grassam ladrões, salteadores de beira de estrada das economias populares, a um bilhão e cem milhões de pessoas.
Consequência: a questão não é salvar o sistema econômico-financeiro, não é produzir mais grãos, carnes e commodities em geral para exportar mais e aumentar o lucro.
A questão central é salvar a vida, garantir as condições fisico-químicas e ecológicas que garantem a vitalidade e integridade da Terra e permitir a continuidade de nossa civilização e do projeto planetário humano. A Terra pode viver sem nós e até melhor. Nós não podemos viver sem a Terra. Ela é nossa única Casa Comum e não temos outra. Ela é a Pacha Mama dos andinos, a grande mãe, testemunhada por todos os agricultores e a Gaia, da ciência moderna que a vê como um superorganismo vivo que se autorregula de tal forma que sempre se faz apto para produzir e reproduzir vida.
Então, é nossa obrigação manter a floresta em pé. É uma exigência da humanidade, porque ela pertence a todos, embora gerenciada por nós. O equilíbrio climático da Terra e a suficiência de água para a humanidade passa pela floresta amazônica. É ela que sequestra carbono, nos devolve em oxigênio, em flores, frutos e biomassa. Por isso temos que manter nossas matas ciliares para garantir a perpetuidade dos rios e a preservação da pegada hidrológica (o quanto de água temos à nossa disposição). É imperioso não envenenar os solos, pois os agrotóxicos alcançam o nível freático das águas, caem nos rios, penetram nos animais pelos alimentos quimicalizamos e acabam se depositando dentro de nossas células, nos intoxicando lentamente.
A luta é pela vida, pelo futuro da humanidade e pela preservação da Mãe Terra. Vamos sim produzir, mas respeitando o alcance e o limite de cada ecossistema, os ciclos da natureza e cuidando dos bens e serviços que Mãe Terra gratuita e permanentemente nos dá.
O que devolvemos à Terra como forma de gratidão e de compensação? Nada. Só agressão, exaustão de seus bens. Estamos conduzindo, todos juntos, uma guerra total contra a Terra. E não temos nenhuma chance de ganharmos essa guerra. Temo que a Mãe Terra se canse de nós e não nos queira mais hospedar aqui. Ela poderá nos eliminar como eliminamos uma célula cancerígena. Devemos devolver seus benefícios, com cuidado, respeito, veneração para que ela se sinta mãe amada e protegida e nos continue a querer como filhos e filhas queridos.
Mas não foi a devastação que fomos criados e estamos sobre esse ridente Planeta. Somos chamados a ser os cuidadores, os guardiães desta herança sagrada que o Universo e Deus nos entregaram. E vamos sim salvar a vida, proteger a Terra e garantir um futuro comum, bom para todos os humanos e para a toda a comunidade de vida, para as plantas, para os animais, para os demais seres da criação.
A vida é chamada para a vida e não para a doença e para morte. Não permitiremos que um Código Florestal mal intencionado ponha em risco nosso futuro e o futuro de nossos filhos, filhas e netos. Queremos que eles nos abençoem por aquilo que tivermos feito de bom para a vida e para a Mãe Terra e não tenham motivos para nos amaldiçoar por aquilo que deixamos de fazer e podíamos ter feito e não fizemos.
O momento é de resistência, de denúncia e de exigências de transformações nesse Código que modificado honrará a vida e alegrará a grande, boa e generosa Mãe Terra
Para maior esclarecimento, veja abaixo os pontos diferentes entre o texto de acordo apresentado ao deputado federal Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara, e a emenda 186, escrita no “corredor” pelo relator do projeto de mudanças no Código Florestal Aldo Rebelo e o deputado Cândido Vaccarezza, segundo analistas.
1. Definição de Área Consolidada (o desmatamento já feito) – central em todo o debate de anistia e recomposição. Era proposta pelo governo apenas para agricultura familiar, os dois deputados ampliaram para todos os grandes proprietários. Além disso, abre uma brecha para consolidar as áreas agrícolas que estão ilegais hoje;
2. Areas de Várzeas- o texto do governo condicionava a utilização delas à proibição de novos desmatamentos, na emenda foi liberada totalmente a utilização dessas áreas que são extremamente sensíveis nos biomas de fácil alteração;
3. Culturas de vazantes (arroz, por exemplo)- o texto do governo deixou para trabalhar isso em decreto da Presidenta, a emenda retornou para o texto e liberou para todas as propriedades;
4. Represas de hidrelétricas- no texto do acordo tinha ligado as faixas de APP ao licenciamento, mas colocando limites mínimos, na emenda, o mínimo fica o máximo, além de tirar algumas burocracias;
5. Demais Areas de preservação permanentes, as APPs- o acordo colocou veredas e mangues, a emenda retirou;
6.Pantanal- a emenda dos dois deputados liberava qualquer atividade do agronegócio em todo o Pantanal;
7.Reserva Legal- no texto do acordo ficaram isentos de recompor RL os agricultores familiares e os imóveis que até 2008 tinham quatro módulos, na emenda dos deputados fica liberado de recomposição todas as propriedades até quatro módulos.
Além disso, o texto do acordo tinha uma trava que impedia mexer na reserva legal em caso de desmembramento. Esses dois pontos deixam claro que o real interesse é regularizar os grandes, que vão desmembrar suas propriedades; e assim derrubam na prática as áreas de reserva atuais de 80% para bioma da amazonia e 35% para o cerrado. Com a liberação total até quatro módulos, uma fazenda na Amazônia até 400 hectares pode desmatar tudo. Fica fácil o fazendeiro desmembrar 1.200 hectares em três imóveis e derrubar tudo o que hoje está preservado.
8.Utilização de outras áreas como compensação- O texto do acordo permite que a compensação de reserva legal no bioma seja feito apenas por arrendamento em outras áreas, o texto da emenda dos deputados libera a compra, o que criará uma gigantesca pressão sobre as terras dos camponeses que hoje estão preservando, em outras áreas. Assim, os fazendeiros compram suas terras e depois averbam, dizendo que estão preservando o que já estava ali, e desmatam nas áreas que quiserem.
9.Computo-soma da APP e Reserva Legal: no texto do acordo só poderia fazer o computo de APP e RL quem tivesse as áreas conservadas, na emenda ele libera para todo mundo, inclusive aqueles que têm área totalmente devastada;
10. Áreas desmatadas antes da MP do FHC- o texto do acordo diz que o proprietário terá que comprovar que estava legal na época, a emenda passa a obrigação de comprovar para o Estado;
11.Controle do desmatamento- a emenda dos dois deputados retirou toda a parte que leva o processo para o Ministério Público e que impede os condenados de acessarem recurso público;
12. Plantações industriais (eucalipto e pinus, por exemplo) – A emenda dos deputados manteve a incorporação da silvicultura como atividade agrícola na política agrícola brasileira, o que o texto do acordo não tinha.