Artigo do Leitor: “Se amanhã você ganhasse um bilhão, isso te salvaria ou te quebraria?”

por Carlos Britto // 30 de dezembro de 2025 às 20:00

Foto: reprodução

Neste artigo, o colaborador Rivelino Liberalino propõe uma reflexão profunda sobre os impactos de um ganho financeiro repentino, como o maior prêmio da história da Mega-Sena. Mais do que falar sobre dinheiro, o texto questiona se as pessoas estão emocionalmente preparadas para lidar com a abundância, abordando temas como segurança interna, propósito, traumas e o vazio que nem grandes fortunas conseguem preencher.

Confiram:

Amanhã pode sair o maior prêmio da história da Mega-Sena. Algo próximo de um bilhão de reais. E isso, confesso, me atravessou. Não por ganância, nem por fascínio vazio pelo dinheiro, mas por uma pergunta simples e incômoda, daquelas que não dão sossego: será que a maioria de nós está realmente preparada para receber algo assim?

Não escrevo isso para demonizar o dinheiro. Muito pelo contrário. Dinheiro é bom. Dá conforto, segurança, alívio, dignidade. O problema nunca foi o dinheiro. O problema é o lugar que ele ocupa dentro de nós. Porque dinheiro é um excelente servo, mas um péssimo amo. E quando ele chega antes de a pessoa estar estruturada por dentro, costuma não libertar , mas expor.

Vivemos num país onde falta quase tudo, inclusive educação financeira, mas falta algo ainda mais grave: propósito. Se hoje você oferecer ajuda financeira a muitas pessoas em dificuldade e perguntar qual é o sonho, qual é o projeto de vida, para onde elas querem ir, muitas simplesmente não saberão responder. Estão sobrevivendo. Passando. Reagindo. Sem direção. Sem clareza. Sem chão interno. E é aí que o risco começa.

Existe um dado pouco divulgado, mas devastador: uma parcela enorme dos ganhadores de loteria quebra em poucos anos. Não porque gastaram mal no início. Muitos quitam dívidas, compram uma casa, um carro, ajudam a família. O problema não está no começo. Está no que vem depois. Está no que o dinheiro desperta. Está no que ele não consegue curar.

Ganhos súbitos ativam o sistema de recompensa do cérebro em níveis extremos. Vêm acompanhados de euforia, sensação de poder, ilusão de controle. Depois, quase sempre, vem o vazio. O corpo, que passou a vida inteira aprendendo a sobreviver na escassez, não acredita que aquilo é real ou permanente. Ele age como quem diz: “aproveita agora, porque isso vai acabar”. E então surgem os excessos, as decisões impulsivas, os investimentos sem critério, as apostas emocionais, os gastos para provar valor, os erros que não seriam cometidos em outro estado mental.

Não é irresponsabilidade pura. É algo mais profundo. É memória. É trauma. É um registro silencioso dizendo que o mundo não é seguro, que tudo pode desaparecer, que é preciso garantir, correr, acumular, provar. O corpo não entende números. Não entende saldo bancário. Ele entende sensação. E se a sensação interna continua sendo de insegurança, nenhum valor na conta vai acalmar.

Há histórias reais, duríssimas, de pessoas simples que ganharam milhões e, em menos de um ano, perderam tudo. Mais pobres do que antes. Mais ansiosas. Mais deprimidas. Famílias desestruturadas. Filhos confusos. Culpa, vergonha, silêncio. Não porque eram más pessoas. Mas porque o dinheiro chegou antes de a estrutura emocional existir.

Muita gente acha que sofre de cansaço, de excesso de trabalho, de ansiedade por pressão externa. Mas, muitas vezes, o que existe é uma tentativa desesperada de comprar segurança. Trabalha-se até o limite, adoece-se, sacrifica-se família, presença, saúde, acreditando que quando “chegar lá”, a paz virá. Quase nunca vem. Porque o lugar que precisa ser preenchido não é externo.

Você não está com fome de dinheiro. Está com fome de se sentir seguro. E segurança não se compra. Se constrói por dentro. Se desenvolve no corpo. Se aprende, aos poucos, que o perigo passou, que a escassez não é mais regra, que não é preciso correr o tempo inteiro.

Por isso, antes de romantizar grandes prêmios, ganhos rápidos, viradas súbitas, talvez a pergunta mais honesta seja outra. Se amanhã você ganhasse uma fortuna, isso compraria paz ou apenas alimentaria o fantasma que nunca se satisfaz? Você usaria esse dinheiro para viver ou para provar alguma coisa? Para cuidar ou para anestesiar?

Às vezes, a maior graça não está em receber. Está em ainda não receber. Em ter tempo de amadurecer, de se conhecer, de construir chão interno, de aprender a estar em paz antes da abundância. Porque quando o dinheiro chega a alguém inteiro, ele soma. Quando chega a alguém quebrado, ele expõe.

E essa reflexão não é sobre a Mega-Sena. É sobre a vida. Sobre o quanto estamos preparados para lidar com aquilo que desejamos. Porque desejar é fácil. Difícil é sustentar.

E você, sinceramente: está preparado para receber… ou ainda precisa aprender a se sentir seguro primeiro?

Rivelino Liberalino

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  1. Faltou o meu amigo Borges. Infelizmente falecido.