Artigo do leitor: “Quando o altar vira ruído e a fé vira trincheira”

por Carlos Britto // 23 de dezembro de 2025 às 10:32

Foto: reprodução Internet

Em mais um artigo, o colaborador do Blog, Rivelino Liberalino, faz uma reflexão sobre a politização da fé. Confiram:

O que estamos assistindo nos últimos dias não é um conflito real dentro da Igreja, mas a tentativa ruidosa de transformá-la em campo de batalha. A pergunta que precisa ser feita é simples, direta e incômoda: quem está promovendo o enfrentamento? O sacerdote que, anos atrás, se deitou com o rosto no chão, em sinal de total entrega, jurando obediência às autoridades eclesiásticas? Ou leigos insatisfeitos, à direita e à esquerda, muitos deles distantes da prática sacramental, que enxergaram no episódio um pretexto para militância?

O sacramento da Ordem não é simbólico, nem retórico. É juramento. Quem já assistiu a uma ordenação sabe: há um homem prostrado no chão, enquanto se entoa uma longa ladainha, e ali ele promete fidelidade a Deus, à Igreja e ao seu bispo. Não é um contrato flexível, não é adesão ideológica, não é mandato revogável por pressão digital. Ou se vive a obediência, ou se retorna ao estado laical. Não há meio-termo, nem espaço para bravatas.

É por isso que causa perplexidade ver pessoas que desconhecem profundamente a estrutura da Igreja, os votos sacerdotais e a própria teologia sacramental se sentirem autorizadas a dar lições, propor abaixo-assinados, sugerir boicotes e até incentivar que fiéis deixem de contribuir com a Igreja. Alguns sequer sabem que católicos não “pagam dízimo” como obrigação jurídica; no máximo contribuem voluntariamente. E mais grave: ignoram que qualquer tentativa de asfixia financeira não puniria um padre, mas prejudicaria obras sociais, paróquias e ações que o próprio padre jamais aceitaria ver comprometidas.

Esse tipo de reação não nasce da fé. Nasce do ruído. Da necessidade de conflito. Da politização compulsiva de tudo. O que deveria ser tratado com serenidade entre dois sacerdotes adultos, submetidos à mesma Igreja, é capturado por ultrapolitizados que não suportam a ideia de que nem tudo se resolve na base do grito ou da pressão pública.

A história da Igreja ensina e quem tem memória sabe, que decisões pastorais muitas vezes causam incompreensão imediata. Já vimos isso acontecer. Em Petrolina, décadas atrás, um bispo foi violentamente hostilizado ao afastar um padre carismático, querido, talentoso, dono de uma musicalidade encantadora e de enorme apelo popular. Naquele momento, parecia injustiça. O tempo, porém, senhor da razão, da verdade e da justiça, tratou de revelar bastidores, amadurecer consciências e devolver equilíbrio às narrativas. A fé ficou. O ruído passou.

Hoje, o que se percebe é que parte da comoção não tem origem no Evangelho, mas na dificuldade de aceitar limites. Há discursos que passaram a soar mais como militância do que como anúncio da Boa Nova. E isso não é detalhe. O Cristo não pregou ressentimento, não alimentou ódios, não construiu inimigos imaginários. Pregou o perdão, inclusive da cruz. Quando a celebração pública se afasta desse eixo, algo se desalinha.

Nada disso apaga o trabalho social realizado. Ninguém nega a dedicação aos pobres. Pelo contrário: quem conhece minimamente o padre Júlio sabe que cuidar dos pobres não lhe foi proibido. E, se o conhecemos bem, ele obedecerá. Silenciará onde foi orientado a silenciar e continuará servindo onde sempre serviu, porque isso faz parte do sacerdócio que ele livremente abraçou.

Não se trata de direita ou esquerda. Trata-se de Igreja. De sacramento. De obediência. O cardeal obedece à Igreja. O padre obedece ao bispo. E os que tentam instrumentalizar o episódio revelam, sem perceber, que falam mais a partir da política do que da fé.

Com o tempo, tudo se torna pequeno. Personagens passam. Tensões se dissolvem. O que permanece é Deus. Muitos de nós, amadurecidos pela vida, já não entronizamos homens, não idolatramos celebrantes, não transformamos padres em totens ideológicos. Entronizamos Deus. Apenas Deus. O resto é transitório.

Aposto na serenidade dos dois. Afinal, são dois adultos católicos. E quem entende o que é o sacramento da Ordem sabe: ali não há espetáculo, há compromisso. Não há palco, há chão. Não há grito, há silêncio. E o silêncio, quase sempre, é onde Deus mais fala.

Rivelino Liberalino

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Últimos Comentários

  1. Ao observar essa emblemática fotografia, com personalidades que fazem a história de Petrolina, me vem a lembrança do nosso Carlinhos…