Nesta quarta-feira (29), às 9h, a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Sindunivasf), em parceria com o Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Seção IFSertãoPE (Sinasefe), promoverá um ato público contra a Reforma Administrativa em frente à Reitoria da Univasf em Petrolina. O movimento é aberto à participação de servidores, estudantes, sindicatos, movimentos sociais e da comunidade em geral.
A mobilização é uma resposta às mudanças previstas na PEC 32/2020, que, segundo as entidades organizadoras, representam riscos à qualidade do serviço público. A proposta fragiliza a estabilidade dos servidores, amplia vínculos temporários e possibilita maior interferência política, ameaçando princípios como impessoalidade, continuidade das políticas públicas e autonomia técnica no atendimento à população.
De acordo com os sindicatos, a aprovação da Reforma pode comprometer diretamente áreas essenciais como saúde, educação e assistência social, com profissionais mais vulneráveis a pressões políticas e à rotatividade, o que afetaria a qualidade do atendimento ao cidadão.



A persistência filosófica da Velha República: entre o ser e o dever-ser do Estado brasileiro.
A Constituição de 1988, ao consagrar os princípios da administração pública, sendo, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, expressou o dever-ser do Estado democrático: um Estado de Direito que rompe com o patrimonialismo histórico e afirma a supremacia do interesse público sobre o privado. Esses princípios não são meras formalidades jurídicas; são instrumentos filosóficos e éticos que delimitam o poder, orientam a conduta do agente público e protegem a cidadania contra os abusos do arbítrio. Contudo, entre o dever-ser da norma e o ser da realidade há uma fenda ontológica que revela um traço estrutural da cultura política brasileira: a permanência da lógica personalista e oligárquica, típica da Velha República. O Estado, que deveria ser impessoal, muitas vezes ainda se confunde com a figura do governante ou com os interesses de grupos que dele se apropriam. Assim, o que é público torna-se propriedade simbólica de poucos, e o servidor, que deveria servir ao Estado e à sociedade , passa a ser visto como instrumento de lealdade pessoal, e não de dever funcional.
Sob a lente da filosofia do direito, isso representa uma negação da ideia de Estado ético e racional, proposta por Hegel, em que o Estado é a encarnação da liberdade objetiva e da vontade universal. No Brasil, o espírito do Estado ainda é frequentemente aprisionado por vontades particulares, por um ethos de mando e dependência herdado do período colonial e reeditado em novas formas de clientelismo e nepotismo.
A impessoalidade, neste contexto, é mais do que um princípio administrativo, é uma virtude republicana. Deriva da noção kantiana de que a moralidade deve se fundar em máximas universais, e não em afetos ou conveniências. O servidor público que age conforme a impessoalidade não o faz por medo de sanção, mas por respeito ao dever moral: ele compreende que a legitimidade de sua ação vem da razão pública, não do favor ou da simpatia.Por isso, o ataque à estabilidade do servidor público ,sob o argumento de flexibilizar o Estado, não é uma simples reforma administrativa: é uma tentativa de dissolver o núcleo ético da função pública, transformando a independência técnica em subordinação política. O que se busca, em essência, é restaurar a lógica coronelista sob o disfarce do “Estado mínimo”. Trata-se, filosoficamente, de uma regressão do Estado ético para o Estado patrimonial, onde o poder volta a ser exercido como posse, não como responsabilidade.A crise brasileira, portanto, não é apenas institucional, mas ontológica e moral. O Direito, que deveria ser a expressão da razão pública e da justiça, ainda se choca contra a cultura do privilégio e da conveniência. Enquanto não houver uma revolução de consciência que compreenda a impessoalidade como fundamento da liberdade coletiva, continuaremos a reproduzir, em novas roupagens, a velha ordem dos coronéis, aquela em que a lei serve ao homem dominador, e não o homem à lei.