Uma história de estrela

por Carlos Britto // 02 de agosto de 2017 às 23:32

“Ali, aquela estrela, veja, é a Estrela Maior. Está perto das 3 Marias. Elas ficam sempre juntas”, me dizia enquanto meu olhar permanecia perdido no firmamento, aconchegado entre seus braços.

 

Nós ficávamos deitados em um pequeno colchão, próximo a porta da casa dela, olhando as estrelas no céu. Ficávamos horas ali e eu, no meu sonho de menino, me imaginava viajando e explorando tudo, pousando na “Estrela Maior”.

 

Ela morava do lado de minha casa no KM 2 onde passei a infância e adolescencia inteira. Eu não tinha mais que uns 11 anos. Ela me chamava de “camba” que vem de cambota, em alusão as minhas pernas finas e tortas.

 

O nome Valdelice era muito dificil para mim e terminei resolvendo isso chamando “tia” de vez, e isso nos acompanhou a vida inteira. Era realmente tia, mas registrado como irmão ficou assim mesmo. Ela dizia que era mesmo minha irmã, mas foi a terceira mãe da minha vida, pois a primeira apenas me gestou. Foi ela quem influenciou o pessoal lá de casa a me criar e eu ganhei uma nova mãe, a mãe dela, a melhor do mundo. E ai ela virou irmã/mãe. A agente adorava isso, e ela me amou como filho.

 

Hoje, devastado, eu a anterrei sem acreditar, pois ainda ontem sorria para mim.

 

Lá em casa temos passado por momentos difíceis, dores lancinantes perdendo entes queridos numa sequência atroz. Essa dor nos dilacerou a alma.

 

Valdelice era das ciências exatas, mas não vou conhecer mais ninguém com tanta propriedade em humanas. Ninguém sorrirá sempre, com tanta franqueza, ninguém vai estar pronta todo o tempo para enfrentar, apoiar, ter a sede de viver e ser feliz. Fazer feliz. Vivia arrumando desculpas e eventos para o encontro.

 

O coração que parou ontem, vai continuar batendo dentro de cada um de nós, agora em descompasso. Como dor que não passa, ferida que não cura. Saudade que não cessa.

 

As centenas de pessoas que passaram por lá, incrédulas, tão perdidas quanto nós, também nos confortaram pela certeza que a vida dela foi importante, decisiva para muitas outras vidas. Foi gratificante a constatação do que já sabíamos, de quanto era amada e respeitada.

 

Em nome de toda a nossa família, agradeço todas as manifestações, todos os abraços, mensagens e carinhos. Foi o pilar que nos seguramos para enfrentar esse hecatombe que se abateu sobre nós. Muito obrigado a todos.

 

“Ali, aquela estrela, veja, é a Estrela Maior. Está perto das 3 Marias. Elas ficam sempre juntas”.

 

Aquele menino que olhava o céu não sabia, Tia, a Estrela Maior era você. Foi uma honra viver contigo essa vida.

Uma história de estrela

  1. Ramaina disse:

    Que texto lindo e emocionante

  2. Lucia disse:

    Poxa, Britto, quanto amor em seu coração

  3. Erick disse:

    Um depoimento fantástico, com muita educação e respeito

  4. Luiz Carlos disse:

    Que dor você deve estar sentindo e ainda com tanta sensibilidade

  5. Amiga disse:

    Valdelice é inesquecível e com um irmão desses

  6. Mirian Santos disse:

    Que depoimento fantástico. cada dia mais sua fã

  7. Robismar disse:

    Isso não é um texto, é um filme

  8. Cassia disse:

    Que coisa linda, emocionada

  9. Angela Maria disse:

    Muito amor em tudo. obrigado por compartilhar

  10. Rita Amorim disse:

    Você escreve bem demais, com o coração

  11. Rutenio disse:

    Um depoimento de quem ama de verdade. Muita emoção e verdade

  12. Gorete disse:

    Quem conheceu a relação de vocês conhece cada palavra

  13. Ana Carla disse:

    Meu Deus…Quanta sensibilidade

  14. Amiga disse:

    Só quem não te conhece de perto perde viver ao teu lado. Você é assim e muito mais

  15. Leví disse:

    Os nossos entes queridos nos deixam presencialmente quando partem para a eternidade e o que fica é essa imensa dor e saudade dos momentos vividos, por isso devemos sempre valorizar cada momento e aprender cada vez mais a amar, perdoar e não se apegar a pequenos detalhes que muitas vezes complicam as nossas relações!

    Texto e homenagem linda, parabéns!

    “Segura teu filho no colo
    Sorria e abrace teus pais
    Enquanto estão aqui
    Que a vida é trem-bala, parceiro
    E a gente é só passageiro prestes a partir”.

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