Artigo do leitor: “O barba azul, a carne e a folia”

por Carlos Britto // 06 de março de 2019 às 17:29

Foto: Alexandre Justino/PMP divulgação

O poeta, jornalista e publicitário Carlos Laerte derramou seu olhar crônico sobre o Carnaval de Petrolina (o de hoje e os de outrora), traduzindo a folia como só ele sabe fazer.

Boa leitura:

O azul do céu era o mesmo a reluzir na barba espessa e branca do cavalheiro de listas à espera na calçada do Cubículo. O Carnaval estava só começando e, ainda que nascente, nos despedimos entre abraços  e desejos de uma boa folia quando já anoitecia na velha nova Petrolina Antiga. Ali no mesmo canto e sobre as pedras ainda não asfaltadas por onde um dia passaram Piratas Reis do Samba, Lacerdinhas, Ioiôs e Marias Magas.

O ágil e desengonçado Zenildão caía no chão toda vez que uma moça passava e ali ficava fazendo de conta que era um desmaio, mas no fundo era apenas matreirice, só pra ver o que vinha por baixo da saia das passistas. Os meninos de  Atrás da Banca saíam pelas cercanias de noitinha simulando uma briga com um pau ameaçando o outro. E aí, quando os desavisados das ruas da frente percebiam, já estavam com as mãos sujas e mal cheirosas.

Pela manhã na Praça do Bambuzinho, a folia só começava depois do banho com nossas possantes bombas d’água.  Ali na Souza Filho, por onde desfilavam as batucadas, escolas de samba campeãs e campeoníssimas segundo Simão Durando, não passava um carro ou um ser vivente que a nossa brincadeira não molhasse todo. E o “Mela-Mela” continuava nas manhãs de sol do Petrolina Clube, nas tardes de suor e cerveja da 21 de Setembro e no dia já amanhecendo no Iate Clube. “Raiou, resplandeceu, iluminou…”, cantava a Charanga de José Coelho. 

Seu Macedo da Principal, de sombrinha de frevo na cabeça, replicava entre volteios pelo salão e pulos na piscina. Quem não viu Nelson Moura de fidalgo e Inah Torres de melindrosa pensa ter sonhado com Charles Chaplin, pra cima e pra baixo, num sábado de Zé Pereira, lá na Guararapes. Mas foi tudo verdade, ainda que se acabando na quarta-feira. Taí Eribaldo Bezerra, que até hoje guarda a fantasia.

Palmilhando agora pelas ruas que andei, vejo na barba azul de Justino homenageado as mesmas listas do folião que passa de celular na mão em troças e blocos desgovernados. Um carnaval em cada esquina e a multidão de corações democratas atrás da Frevuca. Fantasiadas crianças e seus cabelos pintados de tudo quanto é cor. Um bando de meninas de corpo tatuado ali na mesma esquina de Dona Josepha, e uma música matingueira que soa pelos alto-falantes do antigo açougue municipal: “minha carne é de carnaval…”

Carlos Laerte/Poeta, Jornalista e Publicitário

Artigo do leitor: “O barba azul, a carne e a folia”

  1. Tesla Rudah disse:

    Bela crônica, parabéns ! Vivi todas essas coisas e restou a saudade.

  2. Ismenio Barboza (poeta) disse:

    Carlos Laerte!
    É assim que se faz o registro!
    Em 1977, tinha dez anos e um dos temas de um álbum de Geraldo Azevedo intitulava o tema “Cadê meu Carnaval “, vem o poeta Laerte pra buscar esses bons dias, de outrora e os atuais.
    Parabéns Laerte pelo contexto.
    Salve esses momentos e a história continuará.
    Fazemos parte do contexto.

  3. Ismenio Barboza (poeta) disse:

    Abraço irmão!

  4. Francisco Lopes de Sá disse:

    Laerte, já pensou em escrever e publicar livros sobre o passado de Petrolina? Sobre o carnaval, sobre as pessoas ícones, sobre o que você viu e viveu etc. E parabéns pelo artigo, muito bom!

  5. Luiz Dias disse:

    O azul do céu pode ser o mesmo, Carlos. Mas o Carnaval, jamais. A musica é grega. A (in)segurança é dos novos tempos. Ouso dizer que o São João é mais tradicional !

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