Um adeus a um amigo

por Carlos Britto // 03 de junho de 2018 às 22:40

“Eu não preparei você para ser mais um, preparei para ser bom. Pois vá lá e seja o melhor. E não pare até ser”. Foi assim que Juarez Canejo me demitiu da Criação Original onde, por anos, dividi com ele a criação e o atendimento da agência.

Mas Ju, como é que você gosta de mim, somos tão amigos, está satisfeito com o meu trabalho e você me manda embora?” reagi atônito.

A verdade é que eu já fazia, combinado com ele, muitas coisas em paralelo: Comentava em emissoras de rádio, escrevia sobre política no jornal e ainda prestava algumas assessorias políticas.

Ele colocou as mãos acima da cabeça e me disse: “Sua cabeça está batendo no teto aqui. Não tem mais como você crescer. Hora de ir embora e voar, você está pronto”.

Saí daquela sala meio tonto, meio sem saber o que fazer, Perdi o chefe e ganhei um futuro. Depois disso nunca mais nos afastamos, e ele continuou cobrando.

Se me encontrava, olhava de cima a baixo, reparava em tudo, se os sapatos estavam engraxados, se a roupa estava adequada e se a barba estava bem feita. “Carlinhos, ande sempre bem vestido, para que as pessoas não olhem para você de cima pra baixo”.

Me ligava para elogiar um texto que eu escrevia da mesma forma para reclamar quando eu errava o tom. Mas geralmente gostava muito e gargalhava alto.

Falava do vídeo, do áudio, da iluminação de uma filmagem…Nunca me tirou do radar. Quando eu estava inseguro sobre algo, lhe mandava para ouvir sua opinião. Lá vinha uma resposta do maluco às 4 da manhã.

Acho que o que mais fiz na vida com Juarez foi sorrir. Ríamos de tudo. De nós e dos outros. Era o melhor astral desse mundo.

Nem nos seus momentos mais duros perdeu o sorriso, a graça, a vontade de viver. Tinha uma fé inabalável e foi espelho para mim em tudo. Eu costumo dizer para os mais próximos que ele tirou a venda dos meus olhos e me mostrou mais que um horizonte comum, mais as possibilidades e os vários caminhos abertos.

Uma vez, já nos seus dias finais, me ofereceu o melhor presente: “Foi bom demais você ter vindo pra nossa vida. Você foi bom demais”.

Sou bem pouco espiritualizado comparado a Juarez e a muita gente que lê esse texto agora. Mas na manhã do sábado, quando estava na recepção do hospital onde ele estava e, fragilizado, sem conter o choro, percebi que esse choro não era todo de tristeza. Senti também uma paz estranha, um ambiente de conforto, como se algo encantado também estivesse ali, que o acolhia. Não sei se chamam de espíritos, anjos de luz…Mas era algo bom, do bem, bonito, calmo e sereno.

E entre o soluço e a lágrima que não segurei, pude abrir um leve sorriso, característica nossa, e sussurei baixinho….Vá em paz, Ju. Obrigado por tudo!

Carlos Britto

Um adeus a um amigo

  1. Jeronimo São Luis MA disse:

    Mais que um texto, uma lição! Exemplo de verdadeira amizade! Feliz é o homem que em vida sabe o que é isto.

  2. Mary Ann disse:

    Cada palavra cheia de verdade.
    Sei o quanto vc torceu por ele. Coisa de amigo irmão.

  3. Daniela Bezerra disse:

    Perfeito…

  4. Fernando Barbos disse:

    Prezado Carlos, sou leitor assíduo do seu blog e posso mesmo dizer que quase sempre discordo do teu enfoque, que identifico estritamente ligado a um grupo político contra quem combati toda a vida. Entretanto, gostaria de reconhecer a beleza e humanidade no teu texto. Comoveu-me assaz.

  5. marcio araujo disse:

    Bonita Homenagem, Britto.
    Parabéns.

  6. italo bezerra disse:

    Perdemos uma pessoa que vai fazer muita falta, tanto por sua grande vontade de viver como pelo seu gigantesco bom humor. Juarez é um exemplo a ser seguido, sempre com um sorriso no rosto, era de uma generosidade que nunca vi em outra pessoa, principalmente no mercado que atuamos Britto.. Ficarão as boas lembranças e a frase que nunca vou esquecer dita por ele a mim: “Ítalo, somos concorrentes, mas sei que sempre torcemos muito um pelo outro”…
    Saudades Juarez. Que Deus possa cuidar bem de você ai em cima como você cuidava tão bem das suas amizades aqui em baixo..

  7. Maestro Hélio Lima disse:

    Britto, parabéns pelo texto, demonstração de amizade, irmandade e sobretudo pela forma simples, sincera, verdadeira como você descreveu e de certa forma “apresentou” a grandeza do homem e do seu amigo Juarez , para os que não o conheciam, não há dúvida que após o texto passaram a admirar o exemplo de profissional, homem e amigo que ele é.

  8. Carlos Odair - Maninho Sá disse:

    GRATIDÃO; Sentimento reservado aos grandes. Parabéns, Carlinhos, por reconhecer a absurda importância de Juazez em sua formação e aperfeiçoamento enquanto profissional e ser-humano. Vai aqui consignada minha tristeza pela morte de tão valiosa pessoa.

  9. Amélia Oliveira disse:

    Era o cara de sorriso constante, brincalhão, grande profissional, amigo… que tanta vezes me fez sorrir quando imitava o meu caminhar com o pezinho pra dentro. Perfeito na imitação. Aquilo me divertia. Só boa lembranças eu guardo. Para Betinha e falília, as minhas condolências…, meu pesar. Que o nosso verdadeiro amigo descanse em paz nos Braços do Senhor!
    Até um dia amigo Jujú!

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