Líderes religiosos da Bacia do São Francisco conclamam governantes e sociedade a se engajarem contra ‘morte’ do rio

por Carlos Britto // 02 de dezembro de 2017 às 17:48

Líderes religiosos de 11 das 16 Dioceses abrangidas pela Bacia do Rio São Francisco emitiram uma carta, fruto de um recente encontro ocorrido no município de Bom Jesus da Lapa (BA), conclamando governantes e sociedade a assumirem compromisso de evitar a ‘morte’ do Rio São Francisco. Entre os representantes do Clero estão o bispo de Juazeiro, Dom Beto Breis, e administrador diocesano de Petrolina, Monsenhor Malan Carvalho.

Confiram a íntegra do documento:

CARTA DA LAPA:

Primeiro Encontro dos bispos da Bacia do Rio São Francisco

“Nas margens da torrente, de um lado e de outro, haverá toda espécie de árvores com frutos comestíveis, cujas folhas e frutos não se esgotarão. Essas árvores produzirão novos frutos de mês em mês, porque a água da torrente provém do santuário. Por isso, os frutos servirão de alimentos e as folhas de remédio” (Ez 47,12).

À luz do Evangelho, em comunhão com o Papa Francisco e inspirados pela carta encíclica “Laudato Sí”, nós, bispos da bacia do Rio São Francisco, representando onze das dezesseis dioceses, diante do processo de morte em que este rio se encontra e das consequências que isto representa para a população que dele depende, assumimos de forma colegiada a defesa do Velho Chico, de seus afluentes e do povo que habita sua bacia.

Como pastores a serviço do rebanho que nos foi confiado, constatamos, com profunda dor: (a) o sumiço de inúmeras nascentes de pequenos subafluentes e, em consequência, o enfraquecimento dos afluentes que alimentam o São Francisco; (b) o aumento da demanda da água para a irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos, sem levar em conta a capacidade real dos rios de ceder água; (c) a destruição gradativa das matas ciliares, expondo os rios ao assoreamento cada vez maior; (d) a decadência visual dos rios e da biodiversidade; (e) o aumento visível dos conflitos na disputa pela água em toda a região; (f) empresas sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado acaba por ser legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento.

Tudo isso vem gerando a destruição lenta e cruel da biodiversidade do Velho Chico e, consequentemente, sua morte gradativa.

Diante dessa triste realidade, enquanto bispos da bacia do Rio São Francisco e pastores do rebanho que nos foi confiado, propomos:

1.Sermos uma “Igreja em Saída”: Ir ao encontro do povo e, como pastores, convocar os cristãos e as pessoas sensíveis à causa, para juntos assumirmos o grande desafio de salvar o rio da morte e garantir a vida humana, da fauna e da flora que dele dependem;

2.Sermos uma “Igreja Missionária”: Realizar visitas às nossas comunidades, missões, peregrinações, romarias e estabelecer um diálogo aberto com as pessoas para que entendam e assumam, à luz da fé, o cuidado com a “Casa Comum”, particularmente, a defesa do nosso Rio;

3.Sermos uma “Igreja Profética”: Elaborar subsídios educativos sobre meio-ambiente e o modo de preservá-lo. Utilizar os meios de comunicação, rádios, periódicos diocesanos para levar ao maior número de pessoas a boa nova da preservação da vida;

4.Sermos uma “Igreja Solidária”: Reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes; incentivar a ética da responsabilidade socioambiental capaz de gerar um modo de vida sustentável de convivência com a caatinga, o cerrado e a mata atlântica; defender políticas públicas para implementação do saneamento básico, apoio à agricultura familiar, manutenção de áreas preservadas, a exemplo dos territórios das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, etc.

5.Finalmente, declaramos nossa posição em defesa do “Repouso Sabático” para os nossos biomas, a fim de que possam se reconstituir. Particularmente, uma moratória para o Cerrado, por um período de dez anos. Durante esse período não seria permitido nenhum projeto que desmate mais ainda o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam.

6.Nesse sentido chamamos as autoridades federais, os governadores, prefeitos, deputados, senadores, o Ministério Público, para que assumam sua responsabilidade constitucional na defesa do Velho Chico e do seu povo.

Que São Francisco, padroeiro da Ecologia e do Rio que traz o seu nome, nos inspire a cuidar da Criação. Que o Bom Jesus da Lapa, de cujo Santuário provém a água da torrente, abençoe e dê vida ao nosso Velho Chico e ao povo do qual ele é pai e mãe.

Bom Jesus da Lapa, 1º Domingo do Advento de 2017.

Bispos Participantes

Dom José Moreira da Silva – Bispo de Januária (MG)

Dom José Roberto Silva Carvalho – Bispo de Caetité (BA)

Dom João Santos Cardoso – Bispo de Bom Jesus da Lapa (BA)

Dom Josafá Menezes da Silva – Bispo de Barreiras (BA)

Dom Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo de Barra (BA)

Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo de Irecê (BA)

Dom Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo de Juazeiro (BA)

Monsenhor Malan Carvalho – Administrador Diocesano de Petrolina (PE)

Dom Gabriele Marchesi – Bispo de Floresta (PE)

Dom Guido Zendron – Bispo de Paulo Afonso (BA)

Monsenhor Vitor Agnaldo de Menezes – Bispo eleito de Propriá (SE)

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