Artigo do leitor: Lamento do Rio São Francisco

por Carlos Britto // 04 de outubro de 2014 às 15:33

pedra rio são franciscoNo dia em que o Rio São Francisco completa 513 anos de descobrimento, a leitora do Blog, Danielle Lisboa Romão Leite lembra neste artigo que o momento é muito mais de clamar por socorro do que celebrar a data.

Confiram:

Quando eu era forte e saudável, e viajava de Minas Gerais e ia me banhar nas águas do mar em Alagoas, eu entrava no mar com tanta vontade que as pessoas me olhavam e me viam forte. No caminho que eu passava era muito divertido, com muitas árvores. Mesmo com o sol escaldante, eu descansava sob as  sombras do Juazeiro, da Ingazeira, do Jatobá e de várias espécies. No caminho que passava, eu via os caboclos nas suas casinhas humildes, onde eles queimavam lenha que eu sentia o cheiro da fumaça. Mas era gostoso porque eles tiravam todo o sustento dali, esse sim. 

Me respeitavam muito, não poluíam o lugar onde moravam, eram chamados de matutos, eram muito inteligentes, bom de conviver com eles. Eram saudáveis, eu passava por muitos obstáculos, mas era gostoso descer as cachoeiras. Fazia muito barulho, mas as pessoas gostavam de ouvir o som e comigo andavam várias espécies de peixes. Eu via muitos animais por onde eu passava, era muito bonita toda essa região.

E quando as pessoas foram criando usura por terem as coisas, mesmo sem se darem conta das consequências que podiam vir depois, foi aí que tudo começou. Os governos quiseram aumentar a produção de energia sem pensar no futuro, fazendo as hidroelétricas. Achavam que era bom, e aí veio a primeira barragem, que eu chamo de cerca.

Não pensaram nas consequências. Primeiro precisaram retirar muitos de meus amigos do caminho, os “matutos”, os pescadores do caminho que eu passava. Onde ficaram? Muitos dele desabrigados por conta disso. Depois não pensaram na sobrevivência dos peixes, que não sobem para desovar. Dois erros primários, e também as povoações de toda a região, formadas de modo desordenado com lixões e esgoto correndo a céu aberto em todas as cidades. Não tem nenhuma que trate todo o seu lixo e esgoto e todos mandam para mim. Isso é uma vergonha!     

Depois de tudo isso ainda vieram as fazendas, desmatando toda a minha margem parar criar gado, não respeitando nada!  Pensando eles que estavam fazendo um bom negócio. Mas depois viram as consequências. Estou ficando mais fraco, o desmatamento está trazendo várias erosões que se formaram em todo terreno. Eu achava que já tinha visto tudo. Mais depois vieram as grandes fazendas de uvas e manga e outras variedades de frutas, veio o assoreamento, veio o envenenamento por pesticida, fungicida.

A verdadeira peste é o homem, porque sem eles não existia nada disso. E depois veio um que não quis ouvir ninguém, um presidente junto com um grupo de políticos que desterraram o projeto que já tinha sido esquecido, a tal da transposição, que ainda recebeu apoio dos políticos dos estados em que eu passo, para tirar água e mandar pros outros estados do Nordeste.

Ora, eu já banho cinco estados brasileiros! Acho que estão querendo muito de mim. Se fosse para passar nestes estados eu teria ido pra lá. Querem tanto de mim e não dão nada em troca, não respeitam mais as minhas margens, não respeitam minhas artérias, por isso as lagoas que formava estão todas secas. Onde eu nasci estão torradas, sem nenhuma gota de água.

Foram secadas pela mão do homem que fez a barragem, impedindo todo acesso. As minhas lagoas que me abastecem foram aterradas para grandes construções. Como é que querem que eu sobreviva, com todos esses desmandos?  Essa ganância é que faz eu estar na UTI, e se não tomarem providência, eu vou morrer. Estou morrendo!!

Aquela viagem que eu fazia anos atrás, hoje me sinto doente e fraco, não entro mais no mar para me banhar, ele vem a mim e empurra para fora e eu não tenho mais força para me defender, só com ajuda de todos vocês é que eu posso ser salvo. Porque se eu morrer, vou levar muitos comigo.  Neste meu aniversário eu preciso de um presente seu, que é sua consciência ambiental. Esse é meu remédio. Abraços de um doente terminal à espera de remédio. Consciência e preservação é um bom começo para eu ficar recuperado. 

Assina: O velho Chico

Danielle Lisboa Romão Leite

Artigo do leitor: Lamento do Rio São Francisco

  1. ribeirinho disse:

    É preciso fazer um levante de toda a população ribeirinha que realmente se importe com o futuro do rio São Francisco. Um movimento tão grande quanto os protestos do ano passado.

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